Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

De Saraus, Copos e Jornais – Um só embrulho!


02/05/2017

Foto: autor desconhecido.

 

Para Suzy Lopes, Paulo Vieira e Ricky Mala

Na última terça, a atriz e performática Suzy Lopes e o seu companheiro de vida e palco, Paulo Vieira, e ainda o Dj Ricky Mala (que teimava em tocar Adelaide, minha anã paraguaia!), felicitaram o projeto Sarau Póético pelos seus doze anos de existência, com a noite – Adelaide , pra que te quero?, numa alusão a um dos livros e textos de minha autoria, dos livros Brincos, pra que te quero? e De paisagens e de outras tardes. Foi uma noite esfuziante! Ver meus textos em pé me deu uma dimensão e estrangeira do que escrevo. Cheguei até mesmo a perguntar: “Quem escreveu isso?” , de tão distante que a minha fala de si estava. Amigos, filhos, irmãs, drinks, aplausos, e a irreverência de Suzy com seu corpete, suas curvas, seu espelho, que de uma certa forma também eram meus. Os meus livros que andam sozinhos. E tem pernas pra que te quero. E sob dancinhas e alegria alegria, agradeci emocionada.

Claro que, os jornais (Correio da Paraíba e A União) divulgaram, a rádio Tabajara (Jamarri Nogueira) nos entrevistaram, e novamente estava lá a recortar meu rosto que insistia em me lembrar quem sou. Guardei tudo bem guardadinho nos arquivos das faces, que por vezes nem mais reconheço como sendo minhas.

Dois dias após o evento, fui fazer minha feira num dos supermercados e lembre que estava precisando comprar copos. Afinal, de tantos brindes & felicitações, há de se quebrar copos. Nenhum vinho é tão resistente. Pois comprei meia dúzia deles. Ao chegar no caixa , enquanto preenchia o cheque (sim! Ainda uso esse artifício!), olho para o embalador que, cuidadosamente embalava meus copos em jornal. Assim como peixe, assim como coisas que quebram….De repente, meu olhar deu um zoom. Foco. Avistei meu rosto machucado, com mais rugas do que deveria! A página do Jornal Correio da Paraíba, com matéria assinada por André Maia, falando do Sarau no Emporio Café, ilustrado com minha foto, estava ali, agora a serviço dos copos. Vazios, é bem verdade. Ainda sem a prontidão dos néctares que viria a beber. Fiquei gélida e paralisada. E nem tinha bebido nada. Olhei para o pacote, ri desingonçadamente, e apontei o dedo buscando a cumplicidade do embalador: Olha eu! Veja eu! (cantarolei Marisa Monte, pois cena com trilha sonora dá samba!). O moço me olhou perplexo e sem acreditar (afinal estava de boné, óculos escuros) e de nada parecia com aquela foto formosa clicada por Rodolfo Athayde para o seu Projeto Parahybas. Deu um sorriso amarelo e perguntou: “É a Senhora?”, e eu orgulhosa: “Sim, sim, sou eu – não pareço? É porque é de manhã, e nessas horas matinais, moço, todas as gatas são pardas!”. Ele me parabenizou sem entender muito bem a importância de pacotes, retratos e copos, e juntou aqueles jornais cobertos de copos num saco plástico.

Para que serve um jornal depois de lido? Para embrulhar peixe e copos! Tomei um susto. Um susto inspirado em Marcel Duchamp quem sabe também teve ao inverter o seu bidê e transformar em fonte. Um objeto fora do lugar, fora da sua significação primeira e agora re-significado. Alguém talvez poderia ficar acabrunhado em se ver das páginas da cultura para o balcão ordinário do supermercado. Lixo, talvez? Eu , ao contrário, passado o susto primeiro, senti um misto de estranheza e orgulho ao me ver ali, passeando machucada, encriquilhada de papel, para proteger meu copo e fazê-lo não quebrável até o caminho de casa.

Achei mesmo que eles estavam a me brindar antes da hora. Tilintar no tin tin, embrulhados de mim.

Ao chegar em casa com as compras, tive todo o cuidado de desembalar os copos,  pegar o jornal todo amassado com as letras e fotos, e ali, tive a sensação de que os nossos feitos e lembranças andam sozinhos.

Pois bem, os copos já estão ali esperando por suco de mangaba, água gelada, ou cerveja. Quanto ao jornal machucado? Guardei como brincos. Como tardes. Como eu!

 

Ana Adelaide Peixoto – 1 de maio, 2017
 


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