Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

De Olhos Bem Abertos com João Batista de Brito


05/11/2013

Foto: autor desconhecido.

Assisti ao documentário “O Homem que vê no escuro”, sobre o crítico de cinema, professor, João Batista de Brito, no Zarinha Centro de Cultura. O filme tem a direção, produção e roteiro do professor e amante do cinema Mirabeau Dias, e contou com uma plateia seleta de amigos, e intelectuais da cidade.

Um documentário homenagem, a esse homem nascido em Santa Rita, em família numerosa e humilde, e que, curioso em Jaguaribe, se lançou a estudar Letras, mergulhou na poesia e no cinema Santo Antonio, se encantando com Giulietta Masina, Kim Novak, John Ford, A Doce Vida e o cinema americano, e como ele mesmo falou em entrevista, ”escorregou do útero para a sala de projeção”.

Mirabeau faz também suas escolhas pelas suas imagens amadas, incluindo 3 cenas marcantes para fazer a transição de épocas/assuntos do homenageado. São cenas marcantes e antológicas que põe a voz de João nos diálogos de filmes como, Desencanto, Janela Indiscreta, …Uma brincadeira jocosa com a voz de João na pessoa de atores como James Stewart.

Conheci João Batista, na minha turma de Letras da UFPB. Como ele mesmo disse, era um aluno tímido, mas já conhecido como autodidata e com sua timidez se sobressaindo… Nesta sala tinha também o professor de português e escritor Chico Viana, e a profa. Elisalva Madruga, só para citar algumas pessoas especiais da literatura. Eu, perdida numa noite suja de verão, me encantava com as aulas de Virgínius da Gama e Melo e da Profa Zélia Oliveira, mas ainda não tinha nem a timidez intelectual de João, nem o arrojo de Chico, nem as participações eloquentes de Elizalva…Ficava a ouvir . E apre(e)nder.

Depois fui aluna de João no próprio curso. E haja camadas …para ler um poema! Como achava difícil a leitura dessa arte. Já na pós, fui sua aluna em Teoria do Texto Poético, e me familiarizei com o que é uma Isotopia! E lá fui me aventurar a ler o poema de Vitória lima – “Me(n)tira”, que depois fez parte de uma publicação organizada pelo próprio João. Ainda fui sua aluna na pós, na disciplina de Cinema, puro deleite. E haja diegese x discurso, contra-plongé, planos, decoupage, Eisenstein, Orson Wells, irmãos Lumiére, André Bazin, e Metrópolis! Para fechar o ciclo de estudos JBB, assisti ainda à algumas palestras diversas nos eventos culturais da cidade, e mais uma especial organizado pela profa. Vilani Sousa, com direito à settings e trilhas.

Assistir ao filme sobre João, foi também um passeio sobre toda essa experiência/memória acadêmica e também à minha própria estrada de cinéfila. Passando por Ben Hur e Tarzan, no Rex, A Noviça Rebelde no Plaza e A Ponte do Rio Kwai”, e depois a Nouvelle Vague no Municipal, que eu saía do cinema em estado catatônico, sem entender nada de uma câmara still, nem metáforas visuais, nem silêncios…, nem Blow Up, muito menos uma ideia na cabeça. Saía literalmente em Transe, sem a Terra… Gostava mesmo de Candelabro Italiano e Troy Dunahue…, e suspiros com os beijinhos na relva – Aldilá! Ou melhor ainda, cantar Help e Ticket to Ride. Só muitos anos depois vim saber apreciar Godard, Antonioni. Com certeza as aulas de João fizeram parte do meu aprendizado. Os Incompreendidos e Casablanca, comentada e criticada, foram parte deste currículo.

Na minha ousadia, aceitei fazer uma leitura dramática do seu conto: Um beijo é só um beijo (Casablanca), e Lanchonete (A Rosa Púrpura do Cairo)), ao lado do ator, Waldemar Solha (olha minha petulância!), justo por ocasião da palestra do filósofo Edgar Morin, na UFPB. E como comprei a ideia mais que atrevidamente! Fui vestida com um longo preto de cetim, e batom rouge carmin, para viver meus 15 minutos de Rita Hayworth…Foi uma experiência literalmente cinematográfica.

No documentário, outra aula. Dessa vez, intercalada pelas perguntas perspicazes dos igualmente críticos: Luis Mousinho (meu colega de UFPB e também aluno das poesias com Bachelard e outros filósofos), Astier Basilio e Renato Felix (que me lembro ainda nos corredores do curso de comunicação). Mirabeau, também participa das entrevistas, entrando assim no lado mais subjetivo da vida do crítico, e também conseguiu a proeza de por João para ler um conto seu, como também mostrar sua faceta desenhista, mesclando cenas dos seus desenhos com os rostos de familiares.

Ouvindo os relatos de João sobre sua trajetória descobrindo o escurinho do cinema em Jaguaribe, e também suas leituras dos jornais sobre filmes, não tem como não lembrar da nossa vida de adolescente, e concordar com João, quando ele diz que, simplesmente íamos ao cinema. Cinema barato, Cinema de Arte, estávamos sempre no cinema. Para encontros, namoros , ou simplesmente nos extasiarmos e cantarolarmos com Um Homem, Uma Mulher.

No filme , João fala de como a crítica surgiu na sua vida, a predileção pelo cinema americano e o desafio de juntar a linearidade desse cinema com os outros tantos olhares do cinema europeu, e mais recentemente com de outros mundos, como o asiático. Fala do sonho, as atrizes/divas do seu imaginário, e do seu fascínio sobre a recepção, o leitor de cinema. Quais filme assistimos, e, como cada um reage diferentemente às cenas e construímos nosso próprio filme. Passeamos também sobre a referência ao crítico Paraibano Barreto Neto, e que eu acrescentaria Martinho Moreira Franco e Paulo Melo.

Sou leitora de João nos Blogs e no jornal Contraponto, e vendo o filme, senti uma angústia compartilhada já com algumas amigas, como Genilda Azeredo (Profa de Literatura e Cinema da UFPB), a agonia de não ter visto todos aqueles filmes…citados. Filmes que a geração anterior à minha teve o privilégio de vivenciar, mesmo que demorasse meses, desde o lançamento até às praças locais. Precisaria de 7 vidas e 7 noites para dar conta de acompanhar a vida no cinema, e desde já cobro aos dois, um curso sobre a História do Cinema, com direito a filmes, discussões, e Clube do Filme.

Sempre me rendo às pessoas que vem de um lugar geográfico e simbólico distante, e que conseguem, através da força, da intuição e dos estudos, chegarem lá. Lá no lugar da competência, do talento e da admiração.
Como disse Ronaldo Monte no seu blog, eu também faço parte dos admiradores de João Batista.

The End.

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa 30 de Outubro,2013


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