Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Correio Feminino


11/12/2013

Foto: autor desconhecido.

Vou continuar, é exatamente da minha natureza nunca me sentir ridícula, eu me aventuro sempre, entro em todos os palcos. (Clarice Lispector)

Os textos que Clarice Lispector escrevia numa coluna em jornais na década de 60, chegaram à TV Globo, há alguns domingos no programa Fantástico, sob a direção do diretor Luiz Fernando Carvalho, que já extrapolou sua beleza plástica em outros trabalhos como: Capitu, Os Maias, O que querem as mulheres, Hoje é dia de Maria, e Lavoura Arcaica, só para citar algumas das suas adaptações tão diferenciadas na TV aberta.

Quando do lançamento desse trabalho, Luiz Fernando comentou sobre o mundo feminino “Talvez pela proximidade de gerar uma vida, as mulheres têm uma coragem maior de criar que os homens. Eles estão estabelecidos por dogmas, marionetados por sermões. A mulher tem a linguagem do invisível, do corpo, dos afetos, da imaginação, do silêncio, e das entrelinhas. As mulheres buscam uma dúvida, quebram paradigmas”.

A série televisiva, escrita por Maria Camargo com a colaboração de Carla Madeira, é dividida em oito episódios (com mais ou menos dez minutos de duração cada um), fala para três gerações. Maria Fernanda Cândido vive Helen Palmer, a narradora, que só aparece de costas, e dá conselhos sobre beleza, moda e sedução às personagens de Luiza Brunet (a mulher madura), Alessandra Maestrini (a mulher jovem) e Cintia Dicker (a adolescente). Enquanto Helen Palmer dá seus aconselhamentos por vezes inocentes/picantes/irônicos, essas três mulheres reagem às suas falas, num diálogo com cada década, seus sonhos, limitações, repressões e curiosidades.

Os conselhos aparentemente fúteis e superficiais para as mulheres de uma década de 60, quando a revolução das mulheres começava a explodir, não deixa de ser uma estratégia interessante, pois enquanto temos essa voz um tanto sábia, vivida e tinhosa, as outras mulheres, reagem a esses conselhos, o que dá uma velocidade ao ritmo da adaptação, compondo cenas rápidas, coloridas, divertidas , com um ar retrô tanto nas imagens quanto no texto.

 

O primeiro episódio falou da Arte da Sedução. No frigir dos ovos, não mudou muito desde os tempos de Ovídio e, guardando as devidas proporções, essa arte ainda lida com poder, jogos, e artifícios no olhar, no gesto, e na conquista. Clarice se utiliza de uma linguagem aparentemente rasteira, uma vez que seus conselhos pretendiam atingir o grande público. Nessa arte, ela fala de sutilezas; de que não existe mulheres feias; da capacidade de atração de todas nós; de perfumes; da naturalidade como arma; da calma; dos defeitos aceitáveis; mas sempre arremata com algo mais político como: “Seja você mesma!”

Quando fala da moda e dos trajes, é mordaz ao relacionar o desejo de vestir-se com o inconfessável desejo de despir-se. E finaliza dizendo que: “O mundo hoje é da mulher inteligente”. E o amor também, quando re-força o sentido da sedução como arma diária e constante, para que se tenha a contínua descoberta do outro.

Tão transgressor e atual o texto de Clarice, embora a recepção do Correio não tenha tido muito sucesso. As mulheres mais velhas, se irritam com o texto, pois Clarice se utiliza da linguagem da época (meio florida, meio jocosa, e cheia de artimanhas); e as jovens, essas sim, não poderiam ter o olhar crítico cronológico para perceber o corte, a ironia fina, a desconstrução de uma fala aparentemente cor de rosa, mas que logo faz um salto para um comentário ácido e eloquente, falando diretamente à uma mulher que vislumbrava as liberdades de comportamento que os anos 60 anunciava.

Essa desconstrução aparece quando por exemplo, Helen Palmer solta a pérola: “Procurar um vestido é como procurar uma Idea!” E já responde: “A vida não é cinema!”. E que a “moda também é como trânsito, e que, ao adotar roupas, nós mulheres devemos modernizar nossa mentalidade”. E conclui: “Vestir bem um vestido é esquecer-se dele!” Tudo isso para compor uma bela mulher, e que essa beleza jamais estará na roupa , mas no sorriso de quem usa.

Claro que, num mundo onde a efemeridade se estabelece, e em tempos de conquistas líquidas (Baugman) e da urgência e das seduções descartáveis, fica difícil seguir a lógica irônica de Clarice, falando de coisas banais e aparentemente anacrônicas, mas que tem o seu fileto de crítica e pitada de mulher liberal e dona do seu nariz, quando se tem o saber/autonomia da conquista e os pés bem cravados no chão.

A trilha sonora tão bem escolhida com Love me Tender, Sonny, Ne me Quite Pas, I Can´t Stop Loving You, Gatinha Manhosa, hits dos anos 50 e 60, para melhor compor essa estética de clipe, de saias rodadas e biquines de bolinha amarelinha de Copacabana – me engana. Enfim, uma Clarice Pop!

O Correio continua a falar de como a sedução da mulher passa sim pela beleza, pela roupa, mas principalmente pelo “Ser Mulher”, que para ser amada, não se deixa depender das aparências. Be my, bem my baby!!!

Ainda falando da Beleza, Clarice é assertiva quando diz que, a mulher mais bonita é a mulher feliz. E que, se olhar no espelho, é encontrar o próprio rosto. Vimos então que, ao falar da vaidade feminina, Clarice vai além, falando de amor próprio, da autoestima e da identidade. Pois o espelho mágico tem ingredientes como : seja você mesma, tenha coragem, se veja e imagine-se, e assuma a sua própria realidade , ou seja, Seja você! Em tempos de plásticas e da busca eterna e impossível da juventude, nada mais atual.

Ao se perguntar como ser mais bela? O Conselho é não ficar somente com o rímel, esmaltes ou artifícios da plástica ou botox, mas com ideias de : trabalho, perseverança e inteligência.

A beleza para Clarice passa pelo dia a dia, pela inutilidade da vigilância contínua, pela realidade, e pela aceitação do tempo como Senhor Absoluto. E adverte: a hora do banho, é uma hora para não pensarmos em nada, meditemos pois!

Quando fala dos olhos, rugas, e dos pepinos (sempre longe do marido), faz o contraponto de que , mais importante que os olhos, é o olhar. Admire-se! e adverte que, sentir-se bonita é mais eficaz do que ser bonita. Ter um olhar otimista na vida evita sulcos na face… E que a alegria e entusiasmo são mais importantes do que qualquer creme Lancôme. Ser Feliz = a ser bonita. Tudo isso não é atual? Nada mais transgressor.

Em outros momentos, os textos falam da “A mulher Esclarecida” e sobre “Casamento”. Receitas? Destaca a nossa exaustão, exaustão essa já tão criticada pela feminista Camille Paglia, e ainda um quesito que sucinta tantas artimanhas e armadilhas na trajetória das conquistas das mulheres. E defende a mulher esclarecida, como aquela que acompanha o ritmo do seu tempo. E conclui que, esse esclarecimento com a vida cotidiana, nos traz exaustão, pouco tempo e principalmente uma insatisfação, como tão bem expressou a artista plástica Camille Claudel, com a sua inadequação: “Há algo de ausente que me atormenta”.

Para minimizar essa exaustão doméstica, o manual faz uma alusão hilária quando aconselha que devemos faxinar e nos cuidar, e que enquanto trabalhamos pela casa, o creme que passamos trabalha pela beleza, e o quanto a respiração tonifica o corpo. E que pintar a casa? É um exercício de ousadia, diversão e economia. Um verdadeiro curso de confiança em si.Lembrei-me de mim com 8 meses da gravidez de Lucas, a pintar rodapés….ou mais recentemente, de uma aluna que chegou feliz da vida nos relatando de como ela mesma concluiu que, era capaz sim, e pintou sua casa todinha, exultante num seu exercício de confiança em si mesma.

Ainda com relação ao trabalho, Clarice dá dicas de como se apresentar no espaço público; de como enfrentar à concorrência, as críticas, e causar uma boa primeira impressão; ser distinta, e não ser tagarela (claro que aqui, se referindo à construção milenar do mito da fala inútil e ameaçadora das mulheres). Das construções e conceitos arquétipos das sereias, das bruxas, e das fofoqueiras.

Esse Correio dito Feminino, incentiva principalmente à leitura e que, a nossa princesa dos tempos modernos ao invés de engolir sapos, ela fala sapos! (Clarice já inspirando Marina Colasanti – A Moça Tecelã, e mais recentemente, a escritora preferida das meninas, Thalita Rebouças – a escritora das princesas e suas des-construções). E de como a leitura enleva pensamentos, e que um bom livro pode mudar tudo! Um exemplo é o filme “Balzac e a Costureirinha Chinesa” ou ainda, “Clube de Leitura de Jane Austen”; e “As Horas”. Recentemente, ganhei uma camiseta de uma amiga, vinda diretamente de Nova York que diz: “Uma mulher que lê, é uma mulher perigosa!” Que assim seja!

Para esse Correio, uma mulher moderna é companheira e não escrava. Uma mulher multifacetada . Esta semana vi que a ciência corrobora o que já sabemos há séculos: que somos múltiplas, nosso cérebro articula-se com os dois lados, com montes de fios, e damos conta da cozinha, da filosofia, dos filhos, do jardim, e das estrelas…Multiplicidade de assuntos, polifonia, sincronicidades, são palavras que já dominamos desde as cavernas. E damos choque, falhamos e sofremos curto circuitos. E Clarice fala disso tudo com maestria, jocosidade, aparente inocência, ironia, e beleza. Um talento que com certeza migra da sua arte na literatura dos contos, crônicas e romances, onde a construção e técnicas literárias explodem de ambiguidade, mecanismos de manipulação com o leitor, e subversão da ordem.

Quanto ao casamento, é categórica: “Devemos ir à caça da felicidade”. E ainda arrisca a dizer que, o casamento deveria ser naturalíssimo e possuir uma forma serena. A trilha sonora então foi “Ne me quite Pas”…para inflar as receitas de bolo, pudim, e o desejo de acertar (Viu Laura Brown?). Clarice sugere que deveríamos ter prazer nas tarefas domésticas, para tornar a vida mais leve e experimental, e que, a vida, é como o sol, renasce tododiatodo…O conselho é tornar brando os deveres, para nos aliviar do que está dentro e fora de nós mesmas. Caso contrário, o sonho impossível de príncipe perfeito, casa perfeita e vida perfeita, poderão sim levar ao tédio, e estragar tudo. Reclamar muito? Desistam Mulheres. Mas não esqueçam da arte de discordar jamais. Cuidemos pois do amor que possuímos….E que, se somarmos as incompreensões, com o olhar amoroso, os estímulos à vida a dois, teremos com certeza uma aventura maravilhosa.

Homem ideal? Como resposta, a trilha de Roberto e Erasmo – Gatinha Manhosa…

No episódio sobre a Maternidade, Clarice se antecipa às ideias da filósofa francesa, Elizabeth Badinter e seu “Mito do Amor Materno -Um Amor Conquistado”, e de como a maternidade, ao invés de algo biológico e instintivo, foi muito mais cultural e construído num mundo patriarcal, que também passou por grandes transformações ao longo da História.

E também faz as belas distinções entre Casa e Lar, quando estabelece distinções preciosas do espaço físico – Casa em contraponto ao o espaço simbólico – Lar, com a sua própria Poética do Espaço, e assim como Bachelard, também falar dos cantos, do quarto, e de como um Lar depende de tudo e depende de nada….Clarice faz uso de metáforas quando compara um lar à eletricidade; de como algo do espaço subjetivo é tão precioso, ao ponto de só nos darmos conta da sua existência quando a luz falta e ficamos no escuro. Lembrei de Tita , personagem de Laura Esquivel, em “Como Água para Chocolate”, que numa felicidade extremada, acende todos os seus fósforos da alegria e excitação, causando o seu circuito inexorável, particular de finitude.

Para um conselho do Correio Feminino, lá nos anos 50/60, Clarice arremata suas falas, falando de imperfeições, de tentativas, e de que não existem coisas impossíveis, e que fazer um bolo, pode sim ser um sonho, pois os sonhos também se comem. Ah, se a personagem Laura Brown (As Horas), tivesse tido a oportunidade de ler uma dessas colunas, quem sabe não teria ido para o Canadá numa busca insana por um “bolo profissional”.

E assim, dos remédios contra os ratos à busca da felicidade, do trivial ao transcendental, Clarice, também explodiu de arte e novidades literárias, com seus Conselhos à mulher que enfrentava mudanças que transformaram todo um século.

E fico no aguardo pelo próximo episódio. Quem sabe virá alguma coisa como: “a medida das coisas”, “saber viver nos dias que correm”, ou “retoques no destino”.

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa 8 de dezembro, 2013


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