Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Brincar, Brincar!


15/07/2014

Foto: autor desconhecido.

 “Brincar é um momento de compreensão pessoal, de entrar em contato com o outro e de contribuir para o coletivo..Antidepressivos e ansiolíticos são os remédios tarja preta, mas o lado lúdico da vida não precisa de controle, é tarja branca”

O documentário Tarja Branca – A Revolução que Faltava, do curitibano Cacau Rhoden, (ainda em cartaz no Mag Shopping), fala da importância das brincadeiras nas nossas vidas e de como a forma como brincamos na infância, determina também nosso destino na fase adulta.

Rhoden em entrevistas diz que a brincadeira foi abafada pela produtividade e que ao olhos do mundo, brincar parece desperdício de tempo, e paradoxalmente, se não brincamos, ficamos carrancudos.
No filme, o diretor se utiliza de depoimentos de pessoas com profissões distintas, para falar da pluralidade do ato de brincar, e de como o homem se relaciona com a sua criança interior. O filme também tenta resgatar o lado lúdico da vida, restaurando essa ação tão primordial à natureza humana, e relacionando-a à vida contemporânea. Ou seja, somos hoje, o resultado do que brincamos um dia.

Brincar, um ato ancestral que o homem utiliza para se conhecer e conhecer o mundo. Utilizando esse conceito, o documentário entrevista pessoas ligadas à arte da brincadeira como coisa séria. Artistas como José Simão, Bráulio Tavares, Antonio Nóbrega, o ator Domingos Montagner, todos adeptos á arte brincante, relatam suas experiências, opiniões, e de como experimentam esse limiar tão tênue entre brincadeiras e seriedades. Tudo isso costurado também com outras vozes, de outros especialistas, como educadores, antropólogos e sociólogos. Gente que pesquisa a arte popular, e toda essa relação lúdica entre o sentir e o fazer, com gosto e prazer. Todos unânimes em caracterizar a brincadeira como algo inerente ao ser humano e importantes para nossa saúde física e emocional.

Sempre acreditei nesse lado lúdico da vida, enquanto formador do humor, alegria, criatividade, em oposição ao rancor, rigidez e perfeccionismo. Saí do filme feliz de ter brincado tanto. Inclusive sozinha. Adorava ficar deitada no assoalho do terraço frio, em frente à Praça da Independência e depois na rua Almirante Barroso, olhando para nada, simplesmente sentido o corpo no chão. Ou ainda esparramada na poltrona, ouvindo rádio. Pensando. Ou contemplando os jambeiros. Diz o ditado que: Mente vazia , oficina do diabo”; um discurso típico de um mundo vitoriano, onde o sentido do dever era imperativo para todo e qualquer tipo de censura, culpa e obediência.

Dentre as entrevistadas, uma educadora fala da importância do Jogo de Ossinho. E como brinquei disso.! E era boa. Assim também como era boa em pular corda e fazer o máximo da expertise de entrar e sair da corda em movimento. Brincar de ossinho, sentada, e a jogar a pedra/carretel/bola de gude para o alto, e nesse espaço rápido como um flash, tinha que elaborar a noção de espaço físico, volume, movimento e tempo, olha que maravilha! Uma vivência sobre o equilíbrio; organizar o inconsciente. Ou ainda jogar pega varetas, ter delicadeza nas mãos, enfrentar os emaranhados da vida; ou brincar de cozinhado, de Miss, de escola, de esconder, 31 libertei, de lojinha, barraquinha, vendas e trocas, de pega, de roda, cantoria, teatrinho, e o jogo da amarelinha – cada quadrado , um pulo! Na vida inclusive.

Sou daquelas que não tenho nenhum pudor em ter tempo livre, em não fazer nada, o tal do ócio, que nem sempre é criativo. Acredito que não precisamos estar fazendo algo toda hora. E fico muito bem em ter essas horas. Mais ainda, não existo sem esse tempo do nada. É do nada da contemplação que construímos a ação. As ideias, o pensar, tudo vem desse tempo subjetivo, resultado lá da infância em brincar e não fazer nada. E ensaiar para o depois. Até hoje não consigo planejar nada. Quando muito a semana que vem. E não me preocupo com isso. Sei que construo a vida dia após dia. E a vida se vai desenhando com intermezzos de tempos livros, mas não mortos!

Na educação dos filhos, nunca fui tão pouco de me preocupar exageradamente com o destino deles. Sempre desconfiei do meu pouco poder no percurso alheio, Mesmo se tratando de filho. Ver o filme Tarja Branca só me confirmou isso. Juca, meu companheiro na vida, também me acalmava e dizia: Oh! Ana, a rua é a grande mestra!Claro que não sou tão diferente da sabedoria maternal e também não queria atirar meus filhos aos lobos.Mas também tinha consciência que minha vontade era limitada. Portanto, cuidava da casa, comida, roupa lavada, horas lúdicas, amor, carinho, aconchego, responsabilidades, limites, algumas atividades extra classe, mas não muito, e ponto. Queria que meus filhos também aprendessem com o tédio e o silêncio.Nas férias, como não tinha dinheiro para grandes viagens, tentava suprir com passeios por perto, sorvete, amigos em casa, eles nos amigos, praia, bola, carrinho, TV, cinema, pipoca e trocas. Pouco? Tenho certeza que sim. Mas cada um só dá o que tem e pode. Os resultados? O possível. O que eu como mãe fui capaz, e eles como filhos podem apreender, comigo, com a vida e com eles próprios. Eu sou eu e minhas circunstâncias! Já dizia Ortega Y Gasset. Cética eu? Pode ser. Mas o filme me mostrou que não. Era intuitiva para deixar o rio correr. E quem há de negar que essa lhe é superior? Vejo hoje uma profusão de meninos tiranos e que tem que fazer coisas tododiatodo. E de ser excelentes em tudo. Não são. Ninguém é!

Adriana Falcão (escritora, dramaturga e poeta), define Encontro como: “Reunião formada pelo que procurava, pelo achado e pelo acaso”; e Gargalhada como “Uma Cascata de riso sem barragem”.

Segundo o documentário, em tempos da sociedade medicada do século XXI, onde precisamos da química inclusive para dar risadas, brincar talvez seja a salvação!

Brinquemos pois!
Ana Adelaide Peixoto – 14 de Julho de 2014


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