Paulo Amilton

Doutor em Economia.

Brasil

Um país sem projeto de futuro


17/04/2025

Jair Bolsonaro, Michelle Bolsonaro, Romeu Zema e aliados durante ato político que defende anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro; discussão revela crise de projeto de futuro no Brasil.

Enquanto o mundo vive as agonias do tarifaço promovido pelo governo de Donald Trump, com impactos estimados em bilhões na economia brasileira, o congresso nacional acha mais importante, e urgente, discutir o projeto de anistia dos envolvidos nas depredações ocorridas em 8 de janeiro de 2023.

A observação de tal comportamento me fez lembrar as frases de San Tiago Dantas, ministro do governo João Goulart, e Edmar Bacha, professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O primeiro, de forma mais direta afirmou:

“A índia tem uma grande elite e um povo de bosta. O Brasil tem um grande povo e uma elite de bosta”.

O segundo, de forma mais educada, poliu a frase e a transformou na seguinte:

“O povo brasileiro não merece a elite que tem e a elite indiana não merece o povo que tem”.

As duas declarações refletem a ideia de que as elites brasileiras nunca conseguiram se desvencilhar da ideia dos colonizadores portugueses que viam o Brasil com um lugar para extrair a riqueza e não para ser desenvolvido. As elites brasileiras sempre mostraram uma brutal ausência de interesse em construir uma nação, em vez de apenas se servir dela.

A elite tem a capacidade, através de seu sistema educacional, de produzir indivíduos altamente capazes do ponto de vista técnico, mas com baixa, ou até mesmo nenhuma, sensibilidade social. É treinada para administrar, não compartilhar. Focada em vencer, mas não em conviver. É ensinada a liderar sem escutar.

Uma sociedade que um dia já teve a escravidão como forma de administrar a mão de obra necessária para fazer a economia funcionar tem enormes dificuldades de superar a dicotomia de classe. Esta dicotomia tende a perpetuar privilégios, naturalizar desigualdades e reforçar estruturas excludentes na crença que está fazendo o que é certo para o desenvolvimento do país.

O caso da discussão de dois temas atuais ressalta este comportamento. A oposição ao atual governo, e que advoga a concessão da anistia, quer fazer uma investigação para descobrir se os presos de 8 de janeiro estão tendo seus direitos humanos violados na prisão. Nunca se viu este comportamento para investigar estas mesmas violações nas penitenciarias brasileiras, superlotadas de pessoas com poucos anos de estudo, e por isso de baixa renda, na sua maioria pretos e nordestinos.

O caso do bolsa família é outro. A economia capitalista é movida a incentivos. Salário é incentivo. A oferta de trabalho é função direta do salário. O indivíduo racional renúncia suas horas de lazer se o incentivo para trabalhar compensar a perda de lazer. Sendo o incentivo insuficiente, não ofertará sua força de trabalho. No caso do bolsa família, se o salário oferecido for menor que o quantitativo oferecido pelo programa, é racional não ofertar a força de trabalho.

No entanto, este direito de escolha é negado ao participante do programa, que é sempre acusado de malandro e que o governo está incentivando o ócio com a manutenção dele. Os críticos alegam que não tem condições de oferecer um salário maior. Se o fizer, tornará inviável economicamente o negócio. Ou seja, uma vasta camada da população tem que ser penalizada para que os negócios de uma outra camada sejam viáveis.

Existe no Brasil uma verdadeira pedagogia do privilégio juntamente com um desprezo pelas dores e experiencias do país real, aquele que começa logo após os altos muros dos apartamentos e condomínios fechados. A face mais visível disto é o sonho idílico de morar nos Estados Unidos, que para estes é a sociedade que privilegia a meritocracia e é justa e prospera.


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