José Nunes

Jornalista, escritor e integrante do IHGP.

Geral

Bernardo e a borboleta


20/08/2022

Foto: autor desconhecido.

Muitos conhecem a história da borboleta amarela que Rubens Braga perseguiu pelas ruas do Rio de Janeiro. Nunca confirmou ser verdadeira a aventura ou inventada em busca de emoções. O certo é que produziu uma bela crônica.

Vindo do campo para morar na cidade, diferente do cronista capixaba, não é de se estranhar as borboletas a me seguir desde os tempos da infância, mesmo que seja na imaginação. Em ocasiões quando aqui cheguei, ao percorrer pela Praça da Independência, no Parque Arruda Câmara ou os canteiros da Lagoa do Parque Solon de Lucena, áreas verdes nas proximidades onde residia, notava borboletas a vaguear sorrateiras entre as flores. Observava e lembrava de quando pequeno corria atrás delas por entre a babugem crescida.

Naquela manhã de sol, a borboleta surgiu sorrateira no quintal de nossa casa, um pequeno quintal com roseira, lírios e outras flores cultivadas em recipientes, um lugar com aspecto do campo. A pequena borboleta chegou tão devagar que somente o neto percebeu. Repetia o bailado que o neto contemplava, enquanto que na rede estirada no terraço, observava e lembrava de minhas aventuras de menino quando “sentia a vida correr por mim como um rio por seu leito”, como está no verso de Pessoa.

O menino fez gesto de pegar a borboleta, andou em sua direção com passos miúdos para não ser percebido. Durante toda a manhã vinha conduzido pela leitura de José Lins do Rego, larguei o livro sobre as pernas e passei a observar os gestos do guri.

A borboleta amarela saçaricava sobre as flores, pousava lenta nas bordas das pétalas das rosas ainda em botão. O garoto andava vagaroso para não espantar a visitante, chegava cada vez mais perto e observava a amiga bater as asas. Era como se fosse dele. Criança é dona de tudo, até de borboletas que andam se destino a beijar as flores.

O que estaria fazendo a borboleta amarela em nosso jardim? De onde teria vindo? Suponho que tenha se perdido das outras, ou, quem sabe, desejasse ficar sozinha. As borboletas são como os poetas, carregam um mistério e as vezes, ficam sozinhas e beijam as flores.

Nos campos e nas praças, nos regatos onde há flores, elas ficam exultantes em bando, recolhidas em moitas de arbustos. Aquela borboleta do quintal de nossa casa desejava ficar sozinha, como os poetas gostam de estar.

As borboletas estão em nossas vidas, sobretudo na infância. Existe reciprocidade e afeição entre crianças, poetas e borboletas. Estão sempre a borboletear para atrair a atenção. Lembro delas nos caminhos de Tapuio, nos roçados e no jardim de mamãe, ao redor de casa. As roseiras, as margaridas e as orquídeas eram as mais preferidas para suas exibições.

Sempre estão a nos seguir, a nos revelar emoções, e muitas vezes sequer damos conta de que elas, ao movimentar suas asinhas, trazem lições, mostram que pequenas coisas e mínimos gestos praticados com simplicidade, emocionam.

As borboletas estão presentes nas mais diferentes manifestações das artes. Em poema revelador de emoções, Cecília Meireles fala das borboletas que transmitem energias cósmicas. No emocionante filme Sonhos, de Akira Kurosawa, revoadas de borboletas parece povoar o mundo para retirar dor e angústia. O compositor João de Barros, em bela canção, assim se expressou:

Voa, pois a vida é tão boa.

Quando se tem

Um amor no coração.

 

Fico a pensar como sobreviver sem borboletas, flores e crianças.


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