Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

Bença Pai, Bença Mãe


15/05/2015

Foto: autor desconhecido.

 

Recordando o passado, me vejo praticando uma atitude que nos tempos atuais caiu em desuso: pedir a bênção aos pais. Todas as vezes que saía de casa, ou chegava, esse gesto era indispensável. Da mesma forma quando acordava ou ia dormir. Era um costume familiar adotado por tradição. Ainda hoje, ao visitar minha mãe, não deixo de lhe pedir a bênção, mesmo que seja um ato apressado, mecânico.

O hábito era tão forte que mesmo na distância, nos víamos na obrigação de pedir a bênção. Na minha pré-adolescência, nos idos dos anos sessenta, quando ia passar as férias na casa dos meus tios Leitão e Benvinda, em Cajazeiras, só havia uma forma de me comunicar com meu pai, era indo até a Coletoria estadual para, através do rádio amador ali instalado, falar com ele, quando estava no trabalho na Secretaria das Finanças. Pois bem, embora não estivesse vendo-o e ele estando a mais de quatrocentos quilômetros de distância, no início da conversa eu levantava a mão e dizia: “bença” pai!

Havia algo de terno nesse ato, uma expressão que revelava pureza no coração. Pedir a bênção aos pais é solicitar a proteção e o apoio daqueles que mais têm interesse no nosso bem estar. Em resposta, eles nos entregam ao amparo do Ser Superior: “Deus te abençoe, meu filho”.

Hoje os tempos são outros. Os valores mudam de significado. E Pedir a benção aos pais já não é considerado tão importante. No entanto, nós que fomos educados assim, não deixaremos nunca de pedir a bênção aos nossos pais, independente da idade que tenhamos.

A relação entre pais e filhos possuía outra conotação. Mais formal menos íntima. Alguns dizem que o respeito aos mais velhos não permitia um tratamento informal. E talvez tenham razão, a forma de tratar não se presta, necessariamente, para que se avalie o nível de consideração, afeto ou reverência que os filhos possam ter pelos pais. Mas era um costume que trazia paz no coração, um sentimento de vínculo mais efetivo e afetivo no relacionamento parental.

A propósito essa minha reflexão vem de um fato que presenciei recentemente, um diálogo entre meu genro Ugo, e minha neta Júlia. Ela em determinado momento o tratou como “tu”, no que foi imediatamente contestada: “Como, Júlia, tu?”. Ela percebeu prontamente a advertência e corrigiu; “Não, o senhor”.

Era outro hábito do nosso tempo, tratar os pais por “senhor” ou “senhora”. Não vejo o tratamento de “você” ou “tu” como uma falta de respeito ou desconsideração. Tanto que minhas filhas nunca se dirigiram a mim tratando-me de “o senhor”. Mas achei interessante a observação do meu genro. Se não nos chocamos mais com os filhos não se dirigindo aos pais pelo tratamento de “senhor” ou “senhora”, também não podemos censurar quem os educa a moda antiga.

Eu, nos meus sessenta e cinco anos de idade, não me sinto a vontade ao falar com minha mãe, trata-la de “você”, nem deixar de, ao me aproximar dela, pedir o tradicional “bença” mãe.

• Integra a série de textos “INVENTÁRIO DO TEMPO II”.

 


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