Geral
“Assum preto”
29/05/2014
Foto: autor desconhecido.
Não há dúvidas de que Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira prestaram um grande serviço à luta em defesa da natureza quando compuseram, em 1950, a canção “Assum Preto”. A partir dali acredito que ninguém teve mais coragem de praticar tão sádico ato, furar os olhos de um pássaro para que no seu grito de dor e de tristeza cantasse melhor. Um tanto paradoxal a colocação, mas era verdade. O “eu lírico” faz analogia ao sentimento de melancolia vivido pela ave, cega e presa a uma gaiola, para expressar também o seu abatimento com a perda da mulher amada. Sentia-se também tão cego e sem vontade de viver quanto o “Assum Preto”.
“Tudo em vorta é só beleza/sol de abril e a mata em frô/Mas Assum Preto, cego dos óio/Num vendo a luz, ai, canta de dor”. Pela forma de falar dá para perceber que o “eu lírico” é um matuto do sertão, analfabeto. Ele narra um cenário de beleza, que só se vê no interior do Nordeste no mês de abril, no período após a chuva, quando a vegetação ganha novamente a cor verde. No entanto, contrastando com o deslumbramento proporcionado pela natureza, está o “Assum Preto”, cego dos olhos, no seu canto triste, num lamento de dor por não poder ver a luz do sol.
“Tarvez por ignorança/Ou mardade das pió/Furaro os óio do Assum Preto/Pra ele assim, ai, cantá mió”. A denúncia era comum na época, furarem os olhos do “Assum Preto” para que ele assim pudesse cantar melhor. O “eu lírico” questiona se a atitude então praticada, era feita por ignorância ou por pura malvadeza. Presumo que era a segunda alternativa, não há como justificar tão criminoso ato.
“Assum Preto verve sorto/Mas num pode avoá/Mil vez a sina de uma gaiola/Desde que o céu, ai, pudesse oiá”. Os pássaros existem para voar. Entretanto, o “Assum Preto” na cegueira a que foi induzido a viver, não podia mais fazer isso. Diante disso, seria melhor ficar preso a uma gaiola do que ficar impedido de ver o céu. A prisão da cegueira é muito pior.
“Assum Preto, o meu cantar/É tão triste como o teu/Também roubaro o meu amor/Que era a luz, ai, dos óio meu”. O “eu lírico” se coloca na mesma situação do “Assum Preto” e canta triste, porque lhe foi roubado o seu amor, que era a luz que dava brilho aos seus olhos. São, portanto, dois cantos dolentes, chorosos, ambos por perderem a luz que dava sentido à vida.
• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”
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