Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

As visitas a José Américo


20/05/2015

Foto: autor desconhecido.

 

Quando começava a me entender como gente, na faixa dos treze a quatorze anos, tive o privilégio de acompanhar meu pai nas visitas que fazia frequentemente a José Américo de Almeida. Na verdade, ele sempre levava um de nós, minhas irmãs Rita, Fátima, Elza e Nísia, e meus irmãos, ainda crianças, Eli, Wilson e Wilton. Talvez ele fizesse isso de propósito, com a intenção de proporcionar a todos os seus filhos a oportunidade que muito pouca gente da nossa geração teve, conhecer pessoalmente aquele que já se fazia merecedor da admiração e respeito de todos os brasileiros.

Na praia do Cabo Branco, sempre assessorado por sua competente secretária Lourdinha Luna, o Ministro José Américo de Almeida, como era tratado, ficava horas em bate papo com meu pai. Assistia esses encontros com especial interesse. Lembro-me com orgulho de ter ouvido dele, certa vez, a seguinte afirmação: “Deusdedit, essa sua vocação para a pesquisa, faz com que saiba mais da minha vida do que eu próprio. Você me traz à memória fatos que já nem me recordava mais”.

Meu pai sempre foi americista e em razão dessa simpatia pelo político e pelo escritor, dedicou-se a procurar, cada vez mais, saber sobre aquele homem que marcou época na nossa história. Indispensável aqui registrar quem era José Américo de Almeida. Sua biografia é conhecida por todo o Brasil.

Ficava impressionado com o jeito como ele falava, trincando os dentes, quase sem abrir a boca. Enquanto conversava com meu pai, manifestava preocupação em dar atenção a mim e meus irmãos, oferecendo suco de caju, água de coco, frutas tropicais, etc. Sem exagero no afago, do alto da sua personalidade ímpar, ele se curvava diante de nós no desejo de oferecer um mimo, um tratamento de cuidado e desvelo. Interessante, quem merecia toda a reverência, se inclinava num gesto de mesura em nossa direção.

Tive a honra de contar com a sua presença na cerimônia do meu casamento com Robélia, mãe de minhas filhas Candice, Cristiane e Cibelle, embora sabendo que a noiva era filha de um dos seus mais ferrenhos críticos na sua trajetória política, o conceituado advogado Alfredo Pessoa de Lima.

O casarão da praia do Cabo Branco foi o local escolhido para o seu retiro voluntário das atividades políticas. No entanto, era visitado por todos os grandes nomes dos que continuavam militando na política nacional. Presidentes da República, governadores, autoridades das mais diversas posições na administração pública brasileira, vinham em busca dos seus conselhos e orientações.

Considerado um dos maiores oradores da nossa história, num dos seus pronunciamentos chegou a explicar a sua decisão em isolar-se naquela casa do litoral paraibano, onde hoje funciona a Fundação que leva o seu nome: “Fixei-me nesta praia, bloqueado pela linha oceânica e tendo agora na minha posição, à frente, a colina verde, como uma cauda do Cabo enlaçado. Passei por terras firmes sem me deixar prender, e aqui enterrei os meus pés, na areia litorânea, como se tivesse criado raízes, como os coqueiros ao lado, sempre erectos, balançando-se e assanhando-se, mas sem mudar de lugar, plantados nos seus destinos. Essa solidão aparente não me separou da vida. Não troquei a alma, que tem asas e antenas para a sensibilidade do mundo. Não se fechem essas portas para não darem a ideia de um túmulo, porque dentro há uma chama ainda acesa. E essas largas varandas, esse amplo terraço, são como janelas escancaradas”.

Como não me envaidecer dessa oportunidade rara que meu pai me fez vivenciar? Estive frente a frente, e mais, merecendo a sua atenção, diante de um dos ícones da literatura e da política do Brasil.

• Integra a série de textos “INVENTÁRIO DO TEMPO II”.


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