Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Anotações Sobre o Luto


01/06/2015

Foto: autor desconhecido.

Vem me fazer feliz
Porque eu te amo
Você deságua em mim
E eu oceano
Esqueço que amar
É quase uma dor…

(Oceano- Djavan)

Há dois anos atrás, quando perdi o prumo das pernas pela dor da partida, entrei numa livraria e procurei o livro do crítico francês Roland Barthes “Diário de Luto”. Procurava por algo concreto, e no caso literário, que me confortasse a ausência. Não cheguei a comprar o livro, era uma bagatela de 120 reais, e na hora desisti, embora minha dor não tinha preço.

O assunto sobre o Luto tem me tomado conta nesse tempo de saudades. Pensar sobre a ausência. Não é só filosofar. Mas também sentir organicamente. Tentar com-preender um pouco racionalmente o que o emocional não dá conta. E procurei ler coisas. Entrar em sintonia com quem viveu perdas e fez disso um trabalho, uma sistematização da dor. Precisava de respostas para perguntas sofridas e pantanosas na escuridão.

Nesses dois anos..puxa vida, já dois anos! Fico em estado de nuvem , dissolvida no ar, quando penso no tempo! Como posso ter sobrevivido à sua partida Juca? Onde você anda? Porque não chega de viagem? Não me liga? Não me faz alisados à noite para eu dormir? Não me chama de Amoreco, de giganta, maldita, ou me fala ao telefone: “Alooooooooooooora, alôooo”, ou ainda: “diga , minha jovem”, ou esbraveja:” não misture as coisas, D. Ana!”.

Ficar viúva não tem sido fácil. Aliás, demorei quase todo esse tempo para “não” me ver nesse estado…. Para as mulheres fica tudo ainda mais difícil. Ancestralmente falando, as viúvas devem chorar a morte do marido ad infinitum. E eu sei que vou chorar a sua. E se perder nos pretos e cinzas da vida. Mas ao mesmo tempo, o grande paradoxo do luto, temos que tirar leite das pedras, da alegria e do tesão pela vida inclusive, para que levantar da cama todo dia, faça sentido. E eu tiro!

Desde aquela quinta feira que, as pessoas dizem que falo muito em você e que posto muitas fotos no face. Confesso que vivi!. Os mais espiritualizados comentam até que o morto quer sossego; que falando e falando, a gente dificulta o caminho de luz, etc. Mas eu fico a me perguntar: “E esses mesmos espíritos não tem nenhuma dó de mim aqui da terra? Alô Alô Marciano! Os meus álibis não tem crédito?”

No início, senti necessidade de expor todo nosso amor, juventude, fotos, e vida para o mundo todo. Como se quisesse concretizar o que já era abstração. O facebook nos dá essa possibilidade. Fiquei como os Futuros Amantes (Chico Buarque), tentando decifrar os fragmentos dos ecos das antigas palavras, das cartas, dos poemas, das mentiras, vestígios, retratos de nós dois. . E aos quatro ventos lá estávamos nós se beijando, fantasiados, viajando, em casa, na rua, na chuva, ou na fazenda…Depois vinha a consciência de que foto nenhuma iria concretizar aquele momento. O instante. Mas escuto você o dia todo. Vejo-o sempre chegando, saindo, lendo, ao celular para meu desespero, quieto, ensimesmado, me abraçando pelas costas, pela frente, querendo vadiar no meio da noite, do dia, ou recluso nos seus pensamentos, e me dizendo baixinho: “quero sossego!”. Sinto falta de tudo. E a saudade não passa. E com o tempo tudo piora! Uma blasfêmia dizer que o tempo é Senhor da calma. Não é!

Tenho feito das tripas coração. Tomando conta da vida. Dos filhos grandes. Das grandes questões. Das pequenas. Mas o certo é que cá estou há dois anos sem você. Vivendo a vida. Com sol e chuva. Na Toscana, Em Nova York, ou simplesmente à beira mar do Bessa. E no meu travesseiro. Às lágrimas!

Não tenho problemas com cemitérios. Acho um lugar de paz. Mas você foi cremado, (O historiador Bóris Fausto fala que, “quem se vai tomado pelas chamas torna-se uma abstração”). E não tenho um último lugar para lhe visitar. E essa concretude dos ossos, me faz falta. E no vazio das cinzas….só me resta contemplar o mar. Ser a Mulher do meu Tenente Francês. Buscar você nas águas quentes da minha esquina. No azul infinito do Oceano, na quentura do sol da praia, nos meus mergulhos solitários, e no brilho da lua que ilumina essas águas salgadas que nem deram conta de tantas lágrimas.

Contardo Calligaris em seu texto na Folha, 4/12/2014, “Como viver o luto”, fala que: “fazer o luto nunca significa esquecer quem e o que perdemos – fazer o luto significa se lembrar do que perdemos….A morte verdadeira é aquela – quando chega a última vez em que o nome é pronunciado na terra”. Pois agora é que vou falar do seu nome, Juca. Para que não morras essa tal de morte verdadeira!

E nas minhas pesquisas sobre o Luto, li Tatiana Salem Levi, no jornal Valor (Janeiro,2015) – “Escrita do luto”, onde ela fala do assunto, do livro de Barthes, e mais do de Bóris Fausto, O Brilho do Bronze, este último já comprei e estou a ler, e sorrio com o humor peculiar desse historiador de memórias, ócios e lutos. Gostei do que li e de que, assim como disse Calligaris, devemos falar dos nossos mortos sim, e que esse gesto faz também parte do luto, do des-apegar, do vivenciar a dor e a saudade, e do lembrar de quem já se encantou.

Que conforto ler na dor dos outros e na arte desses pensadores, nossos sentimentos, saudades, e ausências compartilhadas! Ler a dor do outro saindo se não no jornal, mas em livro. A arte transcendendo à realidade. E me identifico quando Barthes fala da presença e ausência a um só tempo. Da dor do luto que res-surge das cinzas literalmente, ou de uma força propulsora, e do seguir vivendo: ”Que esta morte não me destrua por completo significa que quero viver perdidamente”. Assim como Barthes e Fausto, também quero prosseguir. E também faço da minha dor, a matéria prima para o trabalho do luto – e da escrita, como fala Tatiana. Assim como Barthes, re-invento o meu cotidiano e deixo Juca habitar a casa, ouvindo-o, conversando com ele, contando-lhe as novidades da vida e, coincidentemente, ouvindo-o dizer a mesma coisa da mãe de Barthes: “Saia, vá se distrair, D. Ana!”

Também não acho que o tempo cure essa dor. Barthes pergunta: “ Do que querem que me cure, se não estou doente?” Repito a pergunta! E Tatiana cita Emily Dickinson: Dizem que o tempo amenina// Isto é faltar com a verdade.//(…)// Se o tempo fosse remédio// Nenhum mal existiria. Tão pouco gosto do papo de superação….
Como Bóris, também sei que a mim coube viver. E para seguir vivendo alegre-mente, também tenho que elaborar a falta de Juca, dar forma ao meu fantasma, e ter a consciência de que falar dos mortos incomoda. Concordo com ele quando diz que é preciso: “Falar dos mortos, para continuar a viver”.

Sim Boris, a memória tem caráter aleatório. Por vezes guardamos cenas e frases insignificantes, tão vivas no silêncio dessa casa: “Essa D. Ana!!” Ou “E aí amoreco, vamos para onde?”

Dr. Dráuzio Varela na Folha de 21/03/2015, também escreveu sobre o assunto em “Luto”: “Nessa fase, costuma haver confusão a respeito da própria identidade e de seu papel no ambiente social, tendência a se afastar das atividades habituais, desesperança e diferentes graus de apatia”. Não Dr. Dráuzio, não estou deprimida, nem apática, nem apegada aos objetos. Doei muita coisa, distribui, e guardei os meus tesouros do baú. Mas confesso que as lembranças e a saudade, são qu-ase insuportáveis. Mas escrevendo, transformando tudo em página, acho que passo pelo processo de que todos esses experts em Luto falam. E como diz Tatiana, também construo afoitamente um futuro. Cheio de incertezas…é bem verdade, mas quem há de ter certeza sobre alguma coisa nessa vida? Me assusto com o fato de estar sozinha no mundo, claro que falo de uma solidão cósmica, pois vivo bem comigo mesma; de ter meu filho só a mim de referencia paterna para lhe proteger das agruras desse mundão; de não ter o meu amor para me ligar no meio do dia ou da noite, para simplesmente dizer que me ama, e das coisas mais simples e bobas, pois não é disso que nos abastecemos? Fiquei com as lágrimas à flor da pele. E não posso ver um programa de casamento que choro. Íamos fazer as nossas Bodas de Prata! E brincava dizendo que teríamos que re-novar nossos votos. E eu com minha pilhérias dizia: “tenho uma lista de novas exigências agora….e Corra Lola Corra…para me pegar!” . Olhando para trás, só uma exigência eu teria agora – que o tempo voltasse!

Seguirei lendo os diários de Bóris e me solidarizando com suas saudades de Cynira, e tratando de aceitar a sua não existência, Juca. E nem um túmulo para levar flores eu tenho. Nem uma missa para rezar (você era ateu, e fico rezando atrás da porta…), mas esses mares do Bessa serão sempre seus e meus, e continuarei a falar de você, para que o luto nunca seja esquecimento.

No dia 05 de Junho, Dois anos de Saudades Infinitas! Dia do Meio Ambiente, aniversário do querido Gilberto Barbosa (Sebrae Nacional) e da amiga Sarita Vieira, morte e vida tão irmãs, levarei flores aos mares e sentirei sua voz baixinho a me dizer coisas que só os amantes sabem e dizem.

Minha saudade e o meu amor,

Obs. Obrigada Roland Barthes, Contardo Calligaris, Boris Fausto, Tatiana Salem, e Dr. Dráuzio Varela. Pelo conforto ao ler os textos de vocês.

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, Para o dia 05 de junho, 2015

 


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