Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Entretenimento

Anitta & Envolver


02/05/2022

“Envolver”, de Anitta, fica em primeiro lugar mundial no YouTube (Foto: Reprodução)

Não sou funkeira, mas gosto do funk. E sempre me intrigou as letras e danças do ritmo. Incomodava-me os rebolados hiper sexualizados das mulheres. Principalmente aqueles que subjugava os corpos femininos. Mas aí comecei a ver um número grande de mulheres pretas a dançarem, a debocharem, empoderadas. Minha cabeça começou a observar e a olhar com outros olhos. Ainda sem entender muito, comecei a levar as minhas questões para amigas/os jovens/ou e meus contemporâneos. Quando um dia, estou procurando algo para assistir na TV e parei no canal Multishow com um clipe eletrizante da Luísa Sonza. Fiquei impressionada com a tecnologia e as referências de quem já fazia isso com maestria nos 80´s- Madona. E a música? Que queria ficar sozinha, dando um basta naquele homem que já não lhe valorizava. O corpo? Exposto e sexualizado. Em seguida veio Anitta, com a sua nova e bombástica música – Envolver (ainda não tinha alcançado o número top de visualizações), onde ela e um homem preto, simulam o sexo, com muita bunda à mostra. A dela, claro! E quando dei por mim, estava com duas cantoras famosas, a Luísa e a Anitta, ambas sexualizando por demais seus corpos jovens e livres, dançando como se esfregassem suas bundas na cara de todos. A música de Anitta, logo logo atingiu os primeiros lugares nas plataformas mundiais. Ou seja, o planeta terra lhe rendendo o sucesso procurado e alcançado com os seus dons de administradora da carreira e da vida, mas não só!

Tentei não julgar de imediato, pois não queria entrar no discurso conservador de: o que será das meninas de hoje? E a família? Que clipe vulgar! Etc. Sei que essas artistas, fazem dos seus corpos um instrumento político também. O texto de Tatiana Poroger: “Parabéns Anitta, mas não, obrigada”, que rodou em compartilhamentos no facebook esta semana, fala da preocupação/des-serviço com a educação para com os filhos homens: “Meus pais me dizem para tratar as mulheres com respeito, e valorizá-las. Enquanto isso, as meninas estão rebolando a bunda na minha cara ao som de “me chama de vagabunda” “me dá um tapa” e “te faço gozar em 5 minutos”. No Grupo Por do Sol Literário, a discussão rolou solta, prós e contras. Argumentos de que Elvis Presley e a dança proibida da pélvis, Mick Jagger e a erotização do seu corpo, já antecediam tudo nos anos 50 e 60. E o que dizer da Tiazinha e da Feiticeira, que na sessão da tarde, representavam o sadomasoquismo/fantasias masculinas numa banheira? A escritora, amiga  e membro da APL Maria das Graças Santiago, no seu texto publicado nas mídias e na coluna Opinião em Abelardo Jurema, fez referência ao Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa e o seu “A civilização do Espetáculo”, e criticou veementemente o clipe: “Quando ocorre uma deterioração da família acontece, por via de consequência, uma desvalorização da cultura e dos costumes que fazem do homem um ser único e especial, exatamente por ser o núcleo familiar o responsável primeiro pela transmissão destes valores.” Continuei a tentar formular um pensamento todo meu, mas ainda em ebulição!!

Por um lado, lembro de Madona que sempre fez isso chocando irreverente e lindamente, e o mundo a aplaudia. E o que eu via? Uma mulher poderosa, dona do seu corpo e da sua subjetividade, explorando o sexo? Sim. E qual o problema? As mulheres sempre foram objetos de desejo dos homens; sempre musas, sempre nuas nos museus. Agora, ou desde há muito, elas querem ser os sujeitos dessa nudez. Como se dissessem: É bunda que vocês querem? Pois bunda terás, mas eu que escolho, eu que mostro, quando e como eu quiser!

Esse é um lado da questão. E como tudo tem muitos lados, eu fiquei a me perguntar: mas até que ponto isso é liberdade ou mais aprisionamento? As duas coisas. Como disse acima, liberdade porque eu escolho, eu me dirijo, e eu me mostro. Por outro lado, o corpo mostrado não é um corpo qualquer. Preciso cair nas graças do mercado! E esse mercado (masculino, voyeur e sexista) quer um corpo “ideal”. E as mulheres, Anitta inclusive, se retalham (a palavra é essa mesma!). Nariz, boca, cabelo, peitos e bundas tudo nos padrões exigido. E sabemos que as mulheres fora da curva desse modelo sofrem com essas exigências inacessíveis. E morrem fazendo lipo em clínicas de ponta de rua.

Aplaudo as marcas que mostram as diversidades dos corpos femininos: brancas, pretas, amarelas, gordas e magras, altas e baixas, sardentas, ruivas, deficientes, com vitiligo e /ou outras diferenças no mundo globalizado e plural em que vivemos.

Também fiquei a me perguntar? Porque as pessoas se incomodam tanto com o corpo/desejo feminino, quando ele é erotizado, protagonista das artes? Milenarmente esse foi um poder masculino. As esculturas dos museus; a Revista Playboy que não me deixa mentir. Mulheres famosas e nem tão anônimas assim, vendendo o seu corpo para diretamente os banheiros e oficinas mecânicas Brasil afora. E tudo bem. Agora, o desejo feminino seja lá para o que for, esse é vulgar e causa repulsa?

Não consumo a expressão artística de Luisa nem a de Anitta, nem mesmo a de Pablo Vittar, outro artista que faz uso do corpo, mas vejo essas artistas numa margem a se considerar. Não basta só cantar. É preciso fazer da música um objeto político. Mas claro, que esse corpo político, ainda tem muito o que alcançar. Principalmente porque o empoderamento não pode ser algo somente individual. Deveria sim, causar mudanças no coletivo. E as mulheres vem causando. Mas ainda, continua a serviço do desejo do mercado, de uma sociedade ainda com esse olhar excludente, e preconceituoso. E do espetáculo!

A discussão continua. E entendendo que as várias correntes feministas, tem sim as suas leituras várias, e nós mulheres e sociedade, também.

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 09 de abril, 2022


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