Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Política

Agonia e morte de Tancredo Neves


20/02/2025

Tancredo Neves, primeiro presidente civil eleito após a ditadura militar, mesmo que pelo voto indireto, já sentia fortes dores abdominais durante o período da campanha. Mas procurava esconder, com receio de que o ditador de plantão, general Figueiredo, por conta disso, resolvesse adiar a eleição programada para 15 de janeiro de 1985. Disfarçava tomando antibióticos às escondidas. Além da doença a que estava acometido, tinha outra preocupação. Sabia que seu vice, José Sarney, não era bem visto pelos militares, a quem consideravam um traidor, pois antes presidira o partido que dava sustentação ao governo, o PDS, renunciando para compor a chapa de oposição. Temia que na impossibilidade de assumir a presidência, não permitissem a sua posse, mesmo na interinidade.

Dois dias antes da data definida para ser empossado, as dores se tornaram insuportáveis, motivo pelo qual foi aconselhado pelos médicos a procurar tratamento em um hospital. Reagiu dizendo: “Façam de mim o que quiserem. Depois da posse”. Repetiu uma frase que ouvira de Getúlio Vargas: “No Brasil, não basta vencer a eleição, é preciso ganhar a posse!”.

Durante a missa, realizada no Santuário Dom Bosco, em Brasília, na véspera da posse, sentiu-se mal e foi transportado às pressas para o Hospital de Base do Distrito Federal. Ao ser internado, falou para seu primo, Francisco Dornelles, já indicado futuro Ministro da Fazenda, que não permitisse ser operado, enquanto não tivesse a garantia de que Sarney assumiria, em caráter interino, a presidência da República. Ficou mais tranquilo quando recebeu a informação de que o presidente da Câmara Ulysses Guimarães e o ex-ministro chefe da Casa Civil, Leitão de Abreu, já estavam nos preparativos para empossar o vice-presidente eleito.

Foi submetido a uma primeira cirurgia para a retirada de um diverticulite de Merckel infeccionada. Tinha início, então, uma longa agonia, por 38 dias, enfrentando complicações pós-operatórias e sete cirurgias. Foi, então, transferido para o INCOR, em São Paulo, no dia 23 de março. O Brasil inteiro acompanhava os boletins médicos, com informações diversas sobre o diagnóstico. O assunto dominante era um só: a doença do presidente. Havia uma forte comoção popular.

Após a sétima cirurgia, Tancredo foi mantido em coma induzido por dez dias. Na noite do dia 21 de abril, o jornalista Antônio Brito, comunicou ao Brasil a notícia que ninguém queria receber: “ “Lamento informar que o excelentíssimo senhor presidente da República, Tancredo de Almeida Neves, faleceu esta noite no Instituto do Coração, às 22 horas e 23 minutos”. Aos 75 anos, vítima de infecção generalizada.

O cortejo fúnebre, na manhã do dia 22 de abril, após uma missa celebrada no Instituto do Coração, seguiu no caminhão do Corpo de Bombeiros até o aeroporto de Congonhas, de onde foi transportado para Brasília. Durante dois dias foi velado e seu corpo exposto à visitação pública. A subida da rampa no Palácio do Planalto, tão ansiosamente esperada por todos, foi feita dentro de um caixão, com a população acompanhando, consternada, o seu lento ingresso no local onde deveria exercer o tão almejado cargo de presidente da República.

Na tarde do dia 24 de abril, seu corpo chegou à sua terra natal, São João Del Rei, em Minas Gerais, para ser homenageado pelos conterrâneos e sepultado, às 22h, no cemitério da Ordem Terceira, na igreja de São Francisco de Assis. Durante os funerais, a música “Coração de Estudante”, de Milton Nascimento, que se tornou um hino da campanha das Diretas Ja, foi cantada várias vezes. Contam que, certa vez, ele, numa conversa no Senado, teria dito que na sua lápide seria colocada a mensagem: “Aqui jaz, muito a contragosto, Tancredo de Almeida Neves”. A inscrição não chegou a ser feita.

A história da Nova República principiava com uma tragédia. Cabia a José Sarney, vice-presidente empossado, honrar o compromisso de restaurar a democracia, proferido por Tancredo Neves.

Rui Leitão


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