Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Geral

A vila União


17/07/2023

Porto do Capim, em João Pessoa

Tive de pesquisar a fundo a essência e as preferências do cronista Gonzaga Rodrigues, para finalmente ter a chance de fazer um acerto de contas com um passado não tão recente assim.

Um acerto sofrido que me deu uma oportunidade única e talvez derradeira, de mergulhar nos rios da minha história, quando morei às margens do Sanhauá, acuado por mosquitos e protegido nos sonhos pelos animais do Pink Floyd.

Havia de um lado a ponte, que era um divisor de águas e limitava as duas cidades – João Pessoa e Bayeux – e do outro o Porto do Capim que serviu de cenário para o premiado filme de Vladimir de Carvalho, Os Homens do Caranguejo.

E havia também a Vila União que foi engolida pela civilização. Ali morava Maria dos Anjos, que não tinha sobrenome, que lhe fora retirado ao assumir um amor proibido, mas que era um nome respeitado na comunidade porque só fazia o bem.

De uma certa maneira, o lugar foi a minha Vila Isabel, de Noel e Martinho, onde pude conviver por um breve tempo com a gente humilde, cantada por Chico, Garoto e Vinícius de Moraes.

Uma gente de muita fé, diga-se de passagem, e que foi determinante para a minha formação, apesar de ser uma gente de pouca leitura e um gosto musical duvidoso.

Por aqueles dias, antes de sentar praça na vila, costumava andar até dez quilômetros para ir e vir até a ponte.

De modo que conhecia bem aquela região de ribeirinhos, seus hábitos e costumes e a sobrevivência no rio e na rede ferroviária que corta as suas margens com os trilhos.

No princípio, achei que seria difícil me acostumar com os apitos do trem, mas com o tempo a gente se acostuma. Pior eram os mosquitos que apareciam algumas noites do mês, mas nada disso se compara ao amor.

Por ele, enfrentei o trem, lutei contra os mosquitos e morei na beira do rio, com o mangue na minha frente e a lama na minha porta.

É bem verdade que tinha vinte anos, talvez um pouco menos, e nessa idade tudo é permitido. Até mesmo morar debaixo da ponte, que fica parecendo romântico.

Nesse tempo, ainda existia a Sanhauá, a Dore e a Matarazzo e o comércio era bem movimentado, bem diferente do que vi agora nos três dias quando gravei para o filme de Gonzaga.

A verdade é que depois de mais de três séculos e meio de costas para o mar, a cidade resolveu virar as costas para os rios.

Acho que por isso não existe mais a vila onde eu vivi. O nome dela era união e mesmo assim ninguém se importou com ela.

Quanto a mim, as águas do rio levaram meu amor e meu coração se deixou levar. Para bem longe, lá onde a vista não alcança.


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