Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Sociedade

A tentação autoritária


03/11/2023

Atos antidemocráticos / golpistas do 8 de janeiro foram organizados por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) (foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

 

Impressiona como a tentação autoritária se faz presente na consciência política de boa parte da população brasileira. Os arrivistas estão por aí pregando a ruptura democrática, sonhando com um poder militarizado, ainda que a experiência recente com fardados na política e em cargos públicos tenha sido desastrosa. Não se desfez o desejo, por alguns, de ver o Brasil mergulhado numa quartelada. A democracia está a todo instante sendo ameaçada.

O fantasma do totalitarismo continua nos rondando. A apologia aos regimes ditatoriais tornou-se estratégia de marketing política, porque a extrema direita saiu do armário sem qualquer constrangimento. E surge procurando apresentar uma imagem de cordialidade, de moralismo, alicerçada em fundamentalismo religioso, apesar de, contraditoriamente, se utilizar da retórica da violência, do desrespeito aos direitos humanos, dos preconceitos e do ódio a quem pensa diferente. E o pior é que esses arroubos totalitários têm recebido a chancela do maior símbolo da democracia: o voto. Ainda bem que na última eleição para presidente conseguimos ser majoritários, mas muitos reacionários conquistaram assentos no parlamento, procurando dificultar a adoção de pautas políticas progressistas.

Parte do eleitorado se mantém seduzida pelo discurso retrógrado da extrema direita. Sabemos que o militarismo no Brasil tem origem no Império. E a República se instalou através de um golpe militar. Em nome do que julgam ser a necessidade de impor a normalidade democrática, temos visto, ao longo da nossa história, a repetição de intervenções militares, com manifestações populares que antecedem aos golpes. O imaginário do militarismo se mantém firme em considerável parcela do eleitorado brasileiro.

Com isso temos um país dividido. Pacificar a Nação é uma tarefa histórica a ser desafiada. Mas não está sendo fácil. Conseguiram plantar a semente da discórdia e do confronto político-ideológico nas famílias e em qualquer ambiente social. Caberá às futuras gerações conter essa “tentação totalitária” que se vê latente entre nós. Não podemos aceitar a naturalidade com que se encara a exclusão social, política e cultural dos que não estão na escala superior da sociedade. É inadmissível o estímulo à violência. Inaceitável a idéia do pensamento único, sem permitir as divergências e o contraditório, tão essenciais ao exercício da democracia plena.

O totalitarismo tem como objetivo maior enfraquecer os princípios fundamentais da democracia. Há um trabalho articulado visando concentrar o poder e eliminar adversários necessários ao jogo democrático, seja no Legislativo, seja no Judiciário, seja na sociedade civil. É muito preocupante testemunhar chefes de estado que agem para provocar a erosão da democracia. A governança democrática precisa ser fortalecida para que, assim, possamos resistir aos ímpetos totalitários. Proteger a ordem democrática é a palavra de ordem para enfrentar os golpistas de plantão.

As lideranças políticas alcançadas pela tentação autoritária emergem como compulsão humana para se fixar na ignorância, esquecendo que são providos de inteligência. Será que são mesmos? Mas acham chique manifestarem-se ignorantes, comportando-se como fanfarrões irresponsáveis e incivilizados. A tentação totalitária nasce do deslumbramento do poder. Querem ser absolutos. A partidarização dos quartéis e o enfraquecimento das instituições democráticas foram experimentados com redundante fracasso, mas deixaram fieis apoiadores que se recusam a enxergar o óbvio. No momento presente já é possível distinguir os militares que rejeitam a aventura golpista e aqueles que conservam elevado espírito autoritário herdado dos anos de chumbo que vivenciamos na segunda metade do século passado. Líderes retiram as máscaras de democratas e optam pelo populismo que descamba para o autoritarismo. Pregando um ideário conservador e salvacionista lançam propostas de endurecimento do regime.

Acabemos com a guerra das patrulhas ideológicas. Nas democracias constitucionais os fins não justificam os meios. O poder sem limites leva à barbárie. Afastemos, pois, esses, ainda permanentes, delírios autocráticos. E que VIVA A LIBERDADE. DITADURA NUNCA MAIS.


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