Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Sociedade

A solidão de Amanda


09/12/2023

O cantor chileno Victor Jara, o autor de Te Recuerdo Amanda.

A minha relação com a Argentina se resume a uma rápida viagem que fiz a sua capital, Buenos Aires, onde pude assistir a um show de tango – uma de minhas paixões – e a algumas noites de amor e sexo com uma hermana que conheci não sei quando na Barra da Tijuca.

E não posso esquecer também da influência do genial Jorge Luís Borges, o maior de todos os escritores latinos, na minha vida.

Mas, isso tudo não é suficiente para que eu venha a fazer juízo de valor sobre o resultado das eleições que levaram um tal de Milei ao poder.

Não votaria nele, com certeza, e chego a temer pelo futuro da sua gente sofrida cujo maior símbolo de resistência são as mães de maio, viúvas de todos os povos e de todas as nações vítimas da tirania.

Por outro lado, há uma rivalidade natural entre nós, brasileiros, e os argentinos. No futebol, principalmente, o que não impede que exista um enorme fluxo de turistas, de ambos os lados, e um intenso comércio entre os dois países.

Mas, confesso que gostei do vi quando estive lá – o povo é bonito e a comida é ótima – e do que vivi, como bem disse o grande Neruda, cuja casa conheci em outra viagem ao Chile, terra de Violeta Parra e Victor Jara, o autor de Te Recuerdo Amanda, uma das mais belas peças do cancioneiro latino.

Sempre choro quando escuto seus versos e durante muito tempo foi a minha música de cabeceira, retratando como poucas canções que eu conheço, o desamparo e a tristeza de uma mulher que perde na fábrica o seu amor Manuel e a razão de viver.

Esse hino e muitas outras canções criadas por Jara acabaram por levar o seu autor à morte, assassinado pela ditadura de Pinochet, mas a luta continuou desde então revelando compositores e intérpretes que ganharam o mundo.

Por esse tempo, um grupo de intelectuais da época, entre eles meu irmão Tota, se reunia nas ruas e centros culturais de João Pessoa para debater e trocar informações sobre a arte e a cultura da América Latina.

Não apenas na música, mas também na literatura que coleciona obras primas e vários prêmios Nobel. Líamos tudo, inclusive os cubanos e os mexicanos da América do Norte.

Da Argentina, além de Borges, pontificavam Manuel Puig e Julio Cortázar, que se somavam a nomes como Vargas Llosa, Eduardo Galeano, Juan Rulfo e Carlos Fuentes.

A nosso modo, éramos o mercosul cultural da época, e chegamos a ser agraciados com uma apresentação do Grupo Tarancon no palco do cine teatro Santo Antônio no bairro de Jaguaribe.

Já então se pregava a união do continente através dos versos do compositor cubano Pablo Milanés, cuja Cancion Por La Unidad Latinoamericana se transformou num hino de guerra pela paz.

Some-se a isso o intercâmbio que se seguiu entre os artistas da região, em um movimento encabeçado por Chico Buarque, Milton Nascimento e Caetano Veloso que trouxeram ao Brasil Silvio Rodriguez e Mercedes Sosa.

Foi a época de Gracias a la Vida, da compositora chilena Violeta Parra, ilustre conterrânea de Victor Jara, o poeta que se inspirou em sua filha Amanda, para construir a personagem que me fez lembrar de tudo isso muitos anos depois.

Num tempo mágico, diga-se de passagem, em que a gente se inspirava em Borges para ver as coisas não apenas com os olhos, mas, acima de tudo com o coração.


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