Os pais sempre ficam na expectativa ansiosa de escutarem a primeira palavra pronunciada por seu filho. Entram em êxtase quando interpretam num balbucio qualquer a intenção de falar alguma coisa. Isso deve ter acontecido comigo. Meu pai, na sua corujice com o primeiro filho, registrava num diário, como se fosse eu, tudo o que acontecia na minha vida infantil. Numa dessas anotações ele se refere ao que ele entendeu como a primeira palavra que pronunciei.

Segundo ele, foi “lua”. Custo a acreditar que realmente foi esse mesmo o meu intento. Devo ter falado algo parecido, mas para ele, vaidosamente, era minha primeira manifestação de comunicação oral. Daí ele passou a fazer uma série de especulações sobre o meu futuro. Prognosticou que eu poderia vir a ser um poeta, porque a lua sempre foi um elemento de inspiração dos que se dedicam à poesia. Ou talvez um filósofo. Dizem que a filosofia é a ciência dos que vivem no mundo da lua, viajando na imaginação, algumas vezes fugindo à realidade.

A vaidade de pai não permitiria fazer outros tipos de profecia. Citar a lua como a primeira palavra poderia ensejar o entendimento de que o menino poderia vir a ser alguém que vive fantasiando, distante do seu ambiente de vida, sonhador, visionário. Poderia também vir a ser astrólogo, ou pesquisador dos segredos do universo. Ou maluco, sem senso da razão, lunático.

Hoje vejo que me aproximo mais da previsão voltada para o estudo da sabedoria humana, a filosofia, a procura de entender a razão da nossa existência. Se verdadeira a afirmação de que “lua” foi a primeira palavra por mim pronunciada, tem tudo a ver com o exercício diário a que dispus dedicar-me. Exercitar a capacidade de pensar, refletir, meditar, pensar a vida.

• Integra a série de textos “INVENTÁRIO DO TEMPO II”.