Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Política

A posição firme de Ernani Sátyro


08/11/2020

Ex-governador Ernani Sátyro

Ernani Sátyro foi um dos mais brilhantes políticos paraibanos. Destacou-se no cenário nacional por sua inteligência e pela forma autêntica com que expressava suas opiniões e as suas convicções políticas. Por ser líder da ARENA na Câmara dos Deputados, nos primeiros anos da ditadura militar, era considerado reacionário, homem de direita. Entretanto todos o respeitavam pela postura digna e ética com que se comportava como político.

No episódio do processo de cassação de Márcio Moreira Alves, em 1968, há um fato registrado pela Revista Veja que define bem a personalidade desse nosso conterrâneo. Estava afastado da liderança, por motivos de saúde, quando estourou a repercussão do discurso do deputado Márcio Moreira Alves, e que deu causa à iniciativa do governo em propor à Câmara a cassação do seu mandato. Sendo figura destacada do mundo político nacional e desfrutando da confiança dos militares no poder, mesmo convalescendo em um hospital, era o deputado Ernani Sátyro consultado sobre os acontecimentos e o desenrolar da crise.

Informado de que o presidente da ARENA, senador Daniel Krieger, havia encaminhado carta ao Presidente Costa e Silva manifestando sua discordância do processo contra o deputado Márcio Moreira Alves, Ernani Sátyro, do seu leito de hospital, decidiu telefonar para o General Jaime Portela, Chefe da Casa Militar da Presidência da República, indagando se o mesmo teria tido conhecimento da correspondência do senador Krieger ao Presidente. Recebendo resposta afirmativa, voltou a indagar: “E então?”. O General Portela afirmou: “Acho que ninguém é insubstituível”. Para surpresa do militar, Ernani Sátyro terminou o telefonema declarando: “Olha, Jaime, eu estou inteiramente de acordo com as palavras do alemão”.

A posição assumida por Ernani Sátyro, mesmo ausente da Câmara, foi acompanhada pelo presidente José Bonifácio, defendendo a imunidade parlamentar em termos absolutos. Preocupado com a reação de influentes lideranças do seu partido, o Presidente Costa e Silva mandou chamar, um a um, todos os deputados da ARENA, e a todos repetia: “Márcio Moreira Alves tem que ser cassado para aplacar a animosidade dos militares”. Sabendo disso, o Senador Daniel Krieger fez o mesmo, chamou todos aqueles que antes haviam estado com o Presidente, e afirmou: “Hoje é Márcio Moreira Alves, amanhã poderá ser um de nós. Não se pode abrir mão das prerrogativas parlamentares. Do contrário estamos fritos”. O governo percebeu então que não seria tão fácil conseguir seu objetivo e ameaçou endurecer o jogo. Encontrou pela frente políticos que honraram a nossa história, não se curvando ao império da força do autoritarismo.

Havia uma reclamação da forma subserviente com que o deputado Geraldo Freire, substituto de Ernani na liderança do governo, conduzia as negociações na Câmara. Muitos observadores da política nacional questionam se a crise teria sido evitada com a presença do deputado paraibano atuando no episódio. Afinal de contas, no leito do hospital, chegou a comunicar, por telefone, ao seu conterrâneo, Ministro Lyra Tavares, sua discordância quanto ao encaminhamento do processo.

O ministro Jarbas Passarinho, em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, em dezembro de 1998, ao ser perguntado se teria faltado habilidade política ao governo para evitar a crise com o Congresso e o AI 5, assim se manifestou: “Porque o discurso de Márcio Moreira Alves, algo sem a menor importância, foi o detonador do processo? Porque Ernani Sátiro, o líder do governo na Câmara, estava infartado no Rio. No meu entender, teria sido possível que Ernani Sátiro evitasse o confronto que se viu. O substituto de Ernani, na liderança, não tinha a mesma altura para a negociação”.

Rui Leitão


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