Geral
A morte digna de Sivuca
15/12/2006
Foto: autor desconhecido.
No imaginário cristão em voga, sempre quando alguém está sofrendo demais com algum mal a lhe acompanhar, é comum ouvir imediatamente após o veredicto, do atestado de óbito, a seguinte expressão: descansou, agora vive em paz.
Esse manto de conformismo humano cabe como uma luva na despedida nesta sexta-feira do Mestre Sivuca do habitat terreno no qual ele consolidou a mais digna das formas de viver a de ser artista universal sem nunca desgrudar-se da aldeia.
Sivuca, cabelo de milho, albino e músico incomum, se mantém na eternidade dos que, pelo dom de Deus, conduzem a fama de genialidade. Tem mais e é conseqüência : incorpora a condição de vida sem fim pelo que o poeta outro dia estampou na canção o nome a obra imortaliza.
Nesta sexta-feira, nas várias formas de expressão ouvi e li o que conforta na alma de quem vê alguém se despedindo, de carne e osso, para uma nova esfera de preservação da memória. Artigos, notas, depoimentos, etc, choveram demais, como se fossem acalento humano traduzido em reconhecimento pós morte.
Não houve um só grande veiculo de comunicação que não gerasse na abordagem do jornalismo a trajetória enriquecida de um sertanejo que resolveu ser gênio por conta própria. Trocou a enxada pela sanfona, o suor de Itabaiana por teatros e estúdios do mundo inteiro.
Na hora derradeira, nesta sexta-feira, coube ao intelectual e humanista José Bezerra, parceiro de sonhos e artes, traduzir na beira da cova a síntese da imortalidade da obra construída por Sivuca.
Palavras fortes, de corte e açoite no tempo, se incorporaram ao ambiente macabro, silencioso, diante de uma platéia louca para esbanjar palavras, mas optando mesmo pela despedida calada.
A partir de agora, passamos a curtir Sivuca de outra forma, sem mais beijá-lo a face humana, que não seja pelo dom de sempre apertá-lo no peito com saudade de quem nunca sai mais do nosso juízo.
Sivuca, enfim, se foi a chamado divino, mas com a dignidade serena de quem soube começar e encerrar uma trajetória de sucesso reconhecido.
Por tudo isso, a Glória maior deste instante é reconhece a outra dignidade estampada na pessoa de Glorinha Gadelha, a razão de ser de Sivuca.
Na última hora
O governador Cássio e a primeira dama, Silvia Cunha Lima, foram ao último instante da exéquias.
De terno preto, luto mesmo, a sisudez de Cássio bem reproduzia seu sentimento de perda.
Não foi ã toa que, ao final, Glorinha agradeceu o encanto e cumplicidade com os últimos dias de Sivuca na produção do CD DVD sabe Deus como ele (o menestrel) conseguiu gravar.
Dois cúmplices à vista
No Parque das Acácias, lugar de ambiência leve de se enterrar seus mortos, dois personagens vivos do casamento de Sivuca e Glorinha se revezam em lamentos.
Zé Bezerra e Palmari Lucena não sei a ordem exata de quem foi mais importante lembravam os primeiros momentos em que, lá atrás, contribuíram para a vida eterna de uma jovem acadêmica de medicina e um sanfoneiro doido para se apaixonar.
Foram eles os fomentadores das geniais cantigas e acordes solfejados como canções de força imortal, oriundas do casamento de Glorinha e Sivuca.
Resgate, apenas
Na vida humana de Sivuca tive pouca participação efetiva. No tom desta abordagem não cabe a forma agradabilíssima com que sempre fomos tratados por ele e sua alma gêmea.
Mas, dentro do possível, contribui para uma superação espetacular dele com Santa Luzia, onde tempos atrás ele deixou um show no Iaiá Clube, sob vaias.
Durante a gestão de Ito Morais, num dos são joãos de lá, propus e ele aceitou levar Sivuca mais uma vez à cidade, agora de outra forma para prestar homenagem especial, além de show, como nunca se vira na relação do artista com Santa Luzia.
Deu certo. Ele topou e se reconciliou com a história diante de uma multidão a aplaudi-lo.
Quis fazer mais, mas não pude.
Última
Não/ não fujas não/ finjas que agora/
Eu era o seu brinquedo…
O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.