Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Política

A luta pela redução da jornada de trabalho


15/11/2024

Do lado esquerdo está o vereador Gabriel Aguiar e do lado direito Rick Azevedo promovendo ato contra a escala 6x1 em Fortaleza, Ceará (Foto: Davi Pinheiro/Divulgação)

A PEC contra a escala 6×1 da jornada de trabalho no Brasil vem suscitando um caloroso debate. No meu entendimento, esse é o principal mérito da proposta. Retomar um debate extremamente necessário, envolvendo trabalhadores, classes empresarias, políticos e governo. Sabemos que a redução da jornada de trabalho tem sido discutida ao longo da nossa história. No entanto, a última vez que teve definição foi na Constituição de 1988 quando o tempo de trabalho foi reduzido de 48 para 44 horas semanais. De lá para cá, já foram protocoladas no parlamento tentativas de promover novas reduções, mas sem resultado, pois as propostas sofreram arquivamento pelas mesas diretoras do Congresso Nacional. Outras duas PECs, sobre o mesmo tema, tramitam na Câmara e no Senado. Uma delas, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), está parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) desde 2015. Outra, de 2019, é do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG).

A Emenda Constitucional apresentada pela deputada Érika Hilton do Psol paulista, ganhou a repercussão que se faz necessária, a fim de que o tema volte a ser discutido pela sociedade, ouvindo as partes diretamente interessadas. A principal mudança por ela proposta tem a seguinte redação, alterando o Art.7º, inciso XIII, da nossa Carta Magna: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. Ela se inspirou numa iniciativa do vereador Rick Azevedo do Rio de Janeiro, criador do movimento Vida Além do Trabalho.

Como cidadão, tenho o direito a refletir sobre a importância desse debate tão relevante e oportuno. Em primeiro lugar, reconhecendo ser uma luta desigual, pois coloca em lados antagônicos, a classe trabalhadora e os empresários, cada um defendendo seus interesses e apresentando seus argumentos. Enquanto os empregadores impõem resistência às mudanças, buscando aumentar ou manter um longo tempo de trabalho, os trabalhadores lutam para reduzi-lo, sem ter os salários diminuídos. Essa relação entre o capital e trabalho é historicamente conflitante.

A partir da Constituição de 1988, avanços importantes foram conquistados por algumas categorias no âmbito da negociação coletiva de trabalho. No entanto, ficaram restritas às que possuem maior poder de mobilização, representadas por entidades sindicais mais fortes, que conseguem romper o bloqueio patronal. Muitos trabalhadores no Brasil já praticam uma jornada de trabalho com escala 5×2. Portanto, não é justo esse tratamento diferenciado com os trabalhadores menos assistidos por suas representações sindicais ou não organizados politicamente.

A verdade é que toda alteração reivindicada na legislação trabalhista que favoreça o trabalhador, provoca a reação dos capitalistas na afirmativa de que “ o Brasil vai quebrar” porque é uma ameaça à economia. Esse argumento foi apresentado já quando vitoriosa a luta pela extinção da escravidão em nosso país, seguido das reformas trabalhistas promovidas por Getúlio Vargas, na implantação do décimo terceiro salário no governo João Goulart e quando em 2003, Lula estabeleceu que o aumento do salário mínimo deveria ser regulado por um adicional além da inflação, garantindo um ganho real. Ao contrário do que pregavam, a economia em todas essas situação foi fortalecida, desmentindo a possibilidade de “quebradeira” anunciada.

Em abril de 1962, o jornal O Globo, (sempre a Globo), em sua edição do dia 26 de abril, anunciava a preocupação dos empresários com a gratificação do Natal ( o 13º. Salário). Na sua manchete alardeava: “Considerado desastroso para o país um 13º mês de salário”. Essa choradeira, pois, é uma estratégia antiga para rebater qualquer proposta que altere a legislação concedendo benefícios aos trabalhadores. O desastre proclamado, em todas as vezes, nunca veio.

Não estou aqui advogando em favor da PEC na sua forma integral apresentada. Porém, vejo nela a grande oportunidade para que algo possa ser feito no sentido de que, desobrigando o trabalhador que presta serviços numa jornada diária oito horas, com apenas um dia de descanso na semana, passe a ter uma melhor qualidade de vida, diminuindo o impacto na sua saúde mental pelo trabalho estafante. Esse modelo de exploração, indiscutivelmente, precisa ser modificado.

Essa alteração deve ser feita buscando um equilíbrio entre as necessidades das empresas e o direito dos trabalhadores a uma vida digna e a condições de trabalho que não produzam efeitos danosos à sua saúde e ao seu bem-estar. A PEC apresentada, quando define uma escala 4×3, me parece, que é utilizando aquela velha forma de negociação: pedir mais para conseguir algo próximo do que foi solicitado, realizada de forma gradual, menos drástica, observando uma análise cuidadosa e realista do caso. O importante é alcançar o entendimento majoritário de que “do jeito que está não pode continuar” É apenas mais um passo no longo caminho a percorrer em nosso país, relacionado à definição de regras sobre o tempo de trabalho, consideradas em todas as suas dimensões. A PEC é oportuna e imprescindível.


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