Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Política

A Lei da Anistia e o Caso Rubens Paiva


02/02/2025

O desaparecimento do deputado federal Rubens Paiva na ditadura militar, relatado no filme “Ainda Estou Aqui”, que vem batendo recorde de bilheteria em todo o mundo, reacendeu o debate sobre a revisão da Lei da Anistia, assinada em 1979. Sua morte confirmada 40 anos depois pela Comissão Nacional da Verdade, continua sem que os culpados tenham sido punidos. Os denunciados foram José Antonio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr Ochsendorf e Souza, Jacy Ochsendorf e Raymundo Ronaldo Campos. Dois dos cinco militares acusados estão vivos. Um deles é o general Belham que recebe R$ 35,9 mil por mês e tem a patente de marechal, uma honraria dada a oficiais do Exército que tiveram atuação considerada excepcional. Jacy Ochsendorf é o outro acusado ainda vivo e recebe R$ 23,4 mil como major reformado. As famílias dos réus que morreram após a abertura do processo, recebem pensões, cujo total ultrapassa os R$ 80 mil.

Em outubro do ano passado o Ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou que a Procuradoria Geral da República se manifestasse sobre o mérito do tema. A PGR defendeu que o STF analise a legalidade da Lei da Anistia no caso dos acusados pelo sequestro, assassinato e ocultação do cadáver de Rubens Paiva, orientando no sentido de que seja revisada a decisão do STJ – Superior Tribunal de Justiça, em 2010, que suspendeu o processo criminal contra os militares apontados como responsáveis pelo crime.

No documento remetido ao STF, a sub-procuradora Maria Caetano Cintra Santos define que “o entendimento jurídico internacional sobre a questão estabelece que a legislação brasileira de anistia não pode ser aplicada em casos de graves violações de direitos humanos”. Em 2014 o PSOL apresentou ao STF a ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional 320, que ficou sob a relatoria do ministro Luiz Fux, repassado em 2021 para o ministro Dias Toffli, O Instituto Vladimir Herzog se tornou “amigus curiae”, ingressando no processo com a possibilidade de apresentar novas informações e documentos para o julgamento.

Há um entendimento defendido por muitos juristas de que o próprio texto da Constituição Federal define que a tortura e os crimes de lesa-humanidade são imprescritíveis. No entanto, em 2010, o STF rejeitou por sete votos a dois um pedido da OAB para que fosse anulado o perdão concedido aos representantes do Estado (policiais e militares) acusados da prática do crime de tortura durante a ditadura. Agora, a discussão ganha novo fôlego a partir da interpretação de que a Lei da Anistia é incompatível com os acordos internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

O ministro Flávio Dino já se manifestou reconhecendo a imprescritibilidade do crime de ocultação de cadáver, excluindo-o da Lei da Anistia de 1979, o que pode ser considerado um importante avanço no enfrentamento da impunidade e a reafirmação de que o Brasil assume o compromisso com os princípios da justiça de transição e os direitos humanos. Ocultar cadáveres é um crime de natureza permanente, porque seus efeitos continuam ao violar o direito à verdade, à memória e ao luto das famílias das vítimas.

O jurista Cláudio Fontelles é categórico ao afirmar que “uma lei ordinária, como a Lei de Anistia, não pode, sob a ótica constitucional, anistiar crimes cometidos por aqueles que violaram o Estado Democrático de Direito, já que a Constituição é a base permanente da democracia e deve ser preservada acima de qualquer legislação infraconstitucional. Manter essa lei é preservar a figura do torturador. Não colabora para a defesa da democracia e coloca uma pedra sobre esse assunto”. Esperamos que, afinal, o STF faça a justiça cobrada pela sociedade civil brasileira.

Rui Leitão


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