Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Cultura

A janela se fecha


02/09/2023

Os primeiros versos dessa canção, gravada por Orlando Silva, dizem tudo.
“Abre a janela,formosa mulher, e vem dizer adeus a quem te adora, apesar de te amar como sempre amei, na hora da orgia eu vou embora.”

Na mesma pegada, alguns anos mais tarde, o boêmio festejado por Nelson Gonçalves, se despedia da mulher para ir de encontro aos amigos e com eles beber de bar em bar.

Eventualmente, alguém fazia uma mea culpa, como no tango Hoje quem paga sou eu, mas de um modo geral, o mundo era dominado pelo homem, e a mulher se dividia quase sempre entre a criação dos filhos e as tarefas do lar.

Tempos sombrios para ela, que na maioria das vezes ainda tinha de conviver com a sombra da amante, que era uma presença comum no cotidiano da maioria das famílias da época.

É bem verdade que nem todas aceitavam esse estranho amor de muitas obrigações e pouco prazer, mas que tinha a cumplicidade da música de então.

Lembro que minha avó foi uma delas. Informada que repartia a presença e o amor com uma outra qualquer, fez um voto de silêncio e castidade que se estendeu até a morte e trocou a vida doméstica por eventuais viagens e retiros na zona rural de cidades do interior.

Quanto a ele, aceitou a solidão a dois e continuou tocando a vida em frente, mas muitos de seus amigos mantinham duas casas com filhos e tudo o mais.

Tudo certo como dois e dois são cinco, porque não podemos esquecer também do protagonismo dos cabarés com suas putas tristes, seus boleros e canções.

O famoso tempo dos cafajestes e cafetões, do Cinzano e do Martini, do uísque e do conhaque.

E também do lugar onde a mulher de respeito não podia nem passar na porta.

Mas, tudo isso se foi, até mesmo os motéis que um dia me acolheram com seu clima de luxúria.

E também porque aquela mulher da janela, que um dia foi Januária, não existe mais, além da música e dos registros da época.

Existe uma outra, como a filha de um músico que tem nove filhos de quatro mulheres, e lhe assegurou que jamais teria um marido como ele. Apesar de todo amor.

Porque até mesmo o amor é relativo.

Tanto pode ser sem pecado, como o da amante, como pode ser sem perdão, no caso da minha avó.

O amor é o mesmo, só tem de haver respeito e igualdade.

Ainda bem que temos uma Anitta pra bagunçar o coreto.

E a certeza que quando se fecha uma porta, Deus abre uma janela.


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