Paulo Amilton

Doutor em Economia.

Brasil

A Guerra da Vacina: o retorno dos idiotas


10/12/2020

O chefe do Departamento de Economia da UFPB, Paulo Amilton

“Temo que o mundo seja governado por idiotas. Não porque eles sejam melhores, mas porque são muitos”
Nelson Rodrigues.

Quando se começou a estudar quais os fatores que determinavam o crescimento econômico de uma sociedade, ficou estabelecido que a posse de terras agricultáveis era um fator fundamental. Com o aperfeiçoamento das técnicas de produção pelo uso da mecânica que culminou com a revolução industrial, o desenvolvimento passou a ser determinado pela posse de capital físico e de mercados consumidores cativo.

Em seguida passou a ser a posse da tecnologia, a forma pela qual capital e trabalho eram combinados para gerar processos produtivos mais eficientes e produtos mais baratos. Atualmente, segundo Acemoglu e Robinson em “Por que as nações falham?”, o desenvolvimento de uma sociedade depende da qualidade das instituições das mesmas. Instituições sendo as regras, formais ou informais, que moldam as relações humanas. Um dos elementos fundamentais para a qualidade das instituições são os níveis de confiança que a sociedade associa a operacionalização das mesmas.

A Covid-19 afetou fortemente a economia brasileira pelo choque provocado pelo distanciamento social, tanto pelo lado da demanda como pelo da oferta, com consequências no estado de confiança dos agentes econômicos. Os negacionistas da pandemia afirmam que no ano de 2020 se morrerá mais gente de câncer, ataque cardíaco ou acidente de trânsito, entre outras causas, do que de Covid-19. Eles possivelmente estarão certos. O que eles não percebem é que uma pessoa com câncer, ao beijar outra sã não contamina está com câncer. Nem um cardíaco se abraçar outrem não o faz ter um ataque coronariano. Mas a Covid-19 pode se alastrar com abraços, beijos ou só pela presença de um contaminado num mesmo ambiente. E ninguém sabe se tem propensão ou não a se contaminar, muito menos a gravidade que está contaminação pode acarretar.

Os economistas costumam distinguir as situações de risco daquelas incertas. As primeiras são aquelas em que já existem informações anteriores sobre as possíveis escolhas e as consequências de se tomá-las, daí se pode obter uma distribuição de probabilidade associada as estas. No caso das situações de incerteza não existem informações anteriores e, por conta disto, não se pode associar uma probabilidade a uma possível ocorrência. É esta situação que nos encontramos com a Covid-19. Não se sabe de nada. Num dia saí uma pesquisa afirmando que tal procedimento ajuda, no outro se nega tudo. Num dia a cloroquina cura, noutro é fonte de doenças.

Num ambiente de riscos os agentes econômicos investem, mas num de incerteza não é racional investir, pois a confiança de que vai ocorrer algum retorno do capital investido inexiste. Neste sentido, não se resolverá o problema do crescimento econômico aqui, nem em outro canto do planeta, enquanto não for encaminhada uma solução para o problema da Covid-19, ou seja, quando houver uma vacina.

As instituições brasileiras já não gozam de muita confiança devido as suas constantes mudanças de interpretações, vide o caso recente do Supremo de mudar o entendimento sobre a possibilidade de reeleição para presidências das casas do congresso. Isto é tão notório que Pedro Malan, ex-ministro da fazenda no governo FHC, dizia que “no Brasil até o passado é incerto”. A vacina pode trazer confiança ao ambiente econômico. Os agentes econômicos podem ficar mais dispostos a realizar investimentos de longo prazo.

Os negacionistas vão dizer que para desenvolver uma vacina são necessários anos de estudos e testes. Que o emprego de vacinas agora é transformar a população em cobaia e que a taxa de imunização é baixa. Ora, depois de nove meses de pandemia, a população de João Pessoa atingiu aproximadamente 9% de imunização ao custo de muitas mortes e sequelas. Neste ritmo precisaríamos de 8,3 anos para imunizar 100% da população. Temos este tempo?

O que não podemos ver, mas estamos, é a reedição da Guerra da Vacina de 1904, quando houve uma revolta no Rio de Janeiro contra a vacinação obrigatória proposta pelo sanitarista Osvaldo Cruz para combater a varíola. O atual governo estimula uma revolta contra a obrigatoriedade da vacinação, afirmando que a população deve de forma voluntária decidir se a toma ou não.

O pior é que o ministério da saúde, comandado por alguém que se diz especialista em logística, deixou de comprar um dos itens mais básicos no processo de vacinação, que são as seringas descartáveis. Sabidamente é um item necessário qualquer que fosse o imunizante a ser escolhido, mas o processo de negação da premência da solução da pandemia levou ao esquecimento procedimentos comezinhos e óbvios.

O atual governo fez uma aposta que a teoria das finanças condenaria fortemente. Colocou todas as suas fichas num único ativo, no caso num único imunizante. O escolhido foi o que está sendo desenvolvido pela Universidade de Oxford com o laboratório Astra-Zeneca. A teoria das finanças aconselharia diversificar para que não houvesse o perigo da aposta única fracassar. Infelizmente, o imunizante de Oxford- Astra-Zeneca deu problema na fase 3 do estudo e vai atrasar. Ou seja, a aposta está fazendo água.

A resultante dos vetores guerra da vacina e aposta errada num único imunizante vai ser o adiamento da recuperação da atividade econômica, dado que voltam a subir os casos de contaminação e mortes. A vacina seria um elemento fundamental para desanuviar o ambiente de incerteza. Mas precisa não ser idiota para não entender isto.


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