Rômulo Polari

Professor e ex-reitor da UFPB.

Geral

A GENIALIDADE DE AUGUSTO DOS ANJOS


11/06/2012

Foto: autor desconhecido.

           
            Com o seu livro EU (1912), Augusto dos Anjos chocou a intelectualidade brasileira. A poesia parnasiana explicitava o fundo da sua crise, com os seus conteúdo e forma prisioneiros de regras e técnicas exteriores rígidas. O seu máximo de requinte era o poema perfeito dotado de beleza plena. A perfeição poética era sinônima da qualidade métrico-acentual dos versos, na cadência melódica das rimas. Augusto, embora herdando elementos formais do parnasianismo e do simbolismo subverteu-lhes o conteúdo, com versos cheios da mais crua realidade.

            Essa crise serviu de fonte à renovação da poesia brasileira, criando a base inicial, ou fase de transição, para o que viria a ser, na década de 1920, o modernismo. Augusto dos Anjos e Manoel Bandeira (este ainda pré-modernista) demonstraram que a beleza da forma engrandece a poesia, mas jamais poderá substituí-la. Afinal, qualquer que seja a sua forma, a arte sempre tem algo a dizer.

            A obra de Augusto dos Anjos é artisticamente revolucionária, rigorosa e inovadora. Cientificamente influenciado por Ernst Haeckel, o autor entendeu que a vida e a morte são determinadas por processos eminentemente químicos. Da ciência de Herbert Spencer, assimilou a incapacidade de se conhecer a essência das coisas, mas compreendeu a evolução da natureza e da humanidade. Com a filosofia de Arthur Schopenhaeur, Augusto entendeu que a negação da vontade pessoal, pelos seus fundamentos irracionais, é condição indispensável à felicidade real e estável. A superação da dor, aí inerente, seria possível pelas artes e outras formas de manifestação humanas lúdicas e não egoístas.

            O EU poeticamente criado por Augusto dos Anjos é naturalmente marcado pela finitude, irracionalidade e inexpressividade. Nele estariam os aspectos angustiantes  básicos da humanidade. Trata-se de um ser histórico matizado pela contemporaneidade da última década Século XIX à primeira do Século XX. A vida humana é entendida como sendo a síntese de um processo de degeneração rumo à morte.

            No plano da vida social, o ser humano concebido por Augusto é impulsionado por uma cadeia sem fim de vontades insatisfeitas, impondo-lhe o sofrimento existencial contínuo. A poesia é posta como meio de expressão desse EU transcendental. Afinal, não é o poeta mas, sobretudo, a sua arte que funciona como a sintonia fina que transforma a sensibilidade da dor, alegria e tristeza em emoção e beleza. Não deve haver meio mais eficiente de trazer à tona o indizível que fere ou suaviza o fundo d’alma sem se saber d’onde vem o quê nem o porquê.

            Augusto soube reinventar com inovação e transcendência as emanações do seu eu, da realidade em geral e dos seus sentimentos do mundo. A sua linguagem densa de conteúdo científico, filosófico e intelectual tornou-se muito comunicativa, sendo, até hoje, um dos poetas brasileiros mais reeditados. O seu sucesso é inconteste, inclusive entre as camadas populares brasileiras.

            O EU está completando cem anos. O interesse pelo seu legado literário e artístico-cultural continua alto. O livro de Augusto dos Anjos adquiriu status de obra clássica, devendo manter-se, por muitos séculos, com vida acadêmica e intelectual ativa e fecunda.


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