Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Opinião

A eleição de Tancredo e o fim da Ditadura


19/01/2025

Foto: autor desconhecido.

O regime militar instaurado a partir do golpe de 1964 apresentava sinais de desgaste perante a opinião pública nacional, refletido no resultado das eleições gerais acontecidas em 1982, quando o partido do governo, o PDS, experimentou derrotas nos três maiores estados da Federação (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro). A oposição ganhou força eleitoral permitindo

alimentar esperanças de que poderia enfrentar uma disputa presidencial. Tinha, porém, um grande obstáculo de ordem jurídica a ser vencido: a exigência da fidelidade partidária. A Lei Orgânica dos Partidos Políticos estabelecia que o parlamentar, por atitude ou por voto, se posicionasse contra as determinações estabelecidas pela direção partidária, perderia o mandato.

O país ainda vivia o sentimento de frustração com a desaprovação da Emenda Constitucional apresentada pelo deputado Dante de Oliveira, que ensejou uma campanha com amplo apoio popular, conhecida como “Diretas Já”. Era proposta a volta de eleições diretas para escolha do presidente da República. Na noite de 25 de abril de 1984, a Emenda foi derrubada em votação na Câmara dos Deputados, ainda que tivesse conquistado 298 votos a favor, 65 contra, 113 ausências e 3 abstenções. Era necessária a obtenção de dois terços da Casa (320 votos). Faltaram, portanto, 22 votos para que fosse aprovada.

Nove meses depois era eleito, no dia 15 de janeiro de 1985, por via indireta, o primeiro presidente civil, após cinco mandatos exercidos por militares, pondo fim à Ditadura. Isso só foi possível graças ao apoio de dissidentes do PDS contrários à chapa oficial liderada por Paulo Maluf. Tancredo Neves era eleito por uma maioria de 300 votos em relação ao seu oponente. O documento que definia a aliança trazia como título “Compromisso com a Nação”, e previa mandato presidencial de quatro anos, revogação de toda legislação autoritária advinda da Ditadura, a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte a ser eleita no ano seguinte e a indicação de José Sarney como candidato a vice.

Formada a chapa, permanecia o impasse jurídico que obrigava os parlamentares a votarem conforme a orientação do partido a que estavam filiados. Decidiram, então, apresentar consulta ao Tribunal Superior Eleitoral, questionando se “as disposições estritas de atividade partidária definidas em lei sobre fidelidade partidária”, seriam aplicáveis ao Colégio Eleitoral. Em julgamento realizado no dia 27 de novembro de 1984, o TSE decidiu que o princípio da fidelidade partidária não era aplicável ao Colégio Eleitoral, concedendo aos seus membros plena liberdade de manifestação. Estava, pois, autorizada a Frente Liberal integrada por parlamentares do PMDB, PDT e PTB e a adesão de filiados ao PDS. Em 15 de maio de 1985 essa lei que exigia fidelidade partidária foi revogada pela Emenda Constitucional número 25.

A eleição de Tancredo Neves, ainda que de forma indireta, foi comemorada com entusiasmo pelos brasileiros. Ninguém esperava que, na véspera da posse, o presidente eleito teve que ser internado no Hospital de Base, em Brasília, acometido de fortes dores abdominais. O vice-presidente José Sarney, assumiu o comando do poder executivo do Brasil no dia 15 de março de 1985. Por 29 dias a Nação acompanhou a agonia de Tancredo, que seria submetido nesse período a sete operações. O clima era de comoção nacional.

Os boletins sobre a saúde do presidente, divulgados pelo jornalista Antônio Brito, eram aguardados com preocupação pela população brasileira. O pior aconteceu. Às 22h30 do dia 21 de abril, o Brasil ouviu consternado o comunicado oficial do seu falecimento. Seu sepultamento ocorreu na sua cidade natal, São João Del Rei, transmitido ao vivo pela Tv Globo.

Tancredo Neve entrou para a História como líder político que pôs fim ao regime ditatorial. Era iniciada a transição entre o autoritarisno e a democracia, que se estabeleceria plenamente com a Constituição de 1988. Foi uma transição negociada com os militares, fazendo com que fossem mantidos vários privilégios que desfrutavam. O historiador Daniel Aarão dos Reis, professor da Universidade Federal Fluminense, afirma que: “Mesmo a Constituição de 1988, apesar de registrar imensos avanços, manteve o caráter repressivo da polícia militar e a monopolização dos meios de comunicação. O Exército como Estado dentro do Estado foi mantido. Assumiu o governo Sarney, que tinha sido um político civil a serviço da ditadura durante muito tempo. Os militares não foram afastados completamente dos jogos de poder”. Mas isso é assunto a ser relatado em publicações futuras.


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