Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Opinião

A cidade não me conhece mais


12/04/2025

Orla de João Pessoa entre as décadas de 70 e 80 (Foto: Reprodução)

Não sou saudosista. Muitas coisas da minha época eram ridículas, e a gente não tinha percepção disso. As calças bocas de sino, por exemplo, eram um horror. Boa parte das canções da Jovem Guarda também eram. Assim como eram de um extremo mau gosto os carros que circulavam até o final dos anos oitenta em todas as cidades do país.

Não deixaram saudades, por assim dizer, e estão esquecidos nos escaninhos do tempo, assim como ali permanecem sem ninguém reclamar programas e seriados de televisão que embalaram a minha infância e parte da juventude, por absoluta falta de opção.

A comunicação, por sua vez, apesar de aproximar as pessoas com seu pouco alcance, patinava com seus orelhões e com a notícia requentada que chegava pelas emissoras de rádio e TV.

Bem diferente do que vemos nos dias atuais, onde a inteligência artificial é a dona da bola e joga na posição que quiser em qualquer campeonato, e tudo está ao alcance da mão.

Só tem um problema e ele não tem nada a ver com saudosismo.
As pessoas não me conhecem mais.

E boa parte daqueles que eu conhecia não estão mais entre nós.
Agamenon se foi. Hilton também. Se foram para não mais voltar.

Bem como Martinho, Milton e Lula, que foi meu diretor de arte.
Mas, existiam muitos outros que nunca mais vi e ouvi falar.
Eram as pessoas que eu pouco conhecia mas sabia quem eram, o que faziam e a que família pertenciam.

É bem verdade, que a gente não marcava as pessoas, como no interior onde todo mundo é de alguém.
Lá, ou se é Luiz de Joana ou Paula de Betinha, o que não deixa de ser um excelente cartão de visita em qualquer circunstância.

Por aqui, não se chegava a tanto, mas se chegava a quanto.
Todo mundo conhecia seu Zezé da farmácia e seu Camelo do armarinho.
E como bem disse Gonzaga um dia desses, se sabia também quem levava chifre e quem comia a mulher do amigo e a do vizinho.

Não que isso tivesse importância, até mesmo porque segredo é pra quatro paredes, mas o corno tinha nome e a sua existência cruzava de alguma maneira com outras pessoas não necessariamente traídas ou infelizes no casamento.

Mas, claro que estou me referindo a um não admirável mundo velho. Uma cidade de algumas dezenas de milhares de habitantes bem distante da população de um milhão de pessoas que se avizinha.
E é justamente nesse contexto que eu não sinto saudade da cidade antiga que tinha muito pouco a oferecer.
Mesmo chegando nos lugares e não conhecendo mais ninguém.

Ninguém para dar um alô, perguntar pela família, falar de política ou comentar um filme ou uma música nova de um compositor de mpb que também são cada vez mais raros.

Ocasionalmente, vou a lugares antigos que resistem ao tempo, como o Cassino da Lagoa, e lá encontro pessoas como Sales Gaudêncio e Itapuan Boto.

Mas, mesmo assim não tenho realmente saudades do que se foi.

Gostaria, sim, de viver o bastante para aproveitar o máximo desse mundo novo que superou em todos os aspectos, as expectativas de Aldous Huxley.

Até mesmo porque só se tem saudade quando se perde um grande amor. E eu ando ocupado demais tentando encontrar o verdadeiro amor.


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