Geral
A cegonha me deixou em Patos
03/04/2015
Foto: autor desconhecido.
Foi em Patos, a mais importante cidade do sertão paraibano, que a cegonha resolveu me deixar para começar minha história de vida. Era assim que nos era passada a informação da nossa chegada ao mundo. Por muito tempo construímos a imagem desse enorme pássaro nos trazendo envoltos em um pano pendurado no seu bico e nos deixando na casa dos nossos pais. A lenda da cegonha está aos poucos desaparecendo. A criança de hoje, bem mais cedo, tem a comunicação correta de como aconteceu o seu nascimento.
Quem pretende contar a sua própria história de vida, tem que se valer das informações que lhes foram passadas por seus pais ou outros parentes que testemunharam o evento, para registrar como se deu seu nascimento. É um acontecimento que não está consignado na memória. No meu caso, a narrativa desse evento, que se fez o princípio da minha presença no mundo, veio ao meu conhecimento, não só pelo relato verbal dos mais velhos da família, mas também pelo depoimento escrito de meu pai, no seu livro INVENTÁRIO DO TEMPO, em que noticia a alegria da chegada do seu segundo filho. O primeiro não conseguiu viver mais do que algumas horas.
Em pleno dia quente de verão, início de dezembro de 1949, abri os olhos para o mundo. Cheguei um mês antes da data esperada. Portanto, me apressei em começar minha história de vida. Meu pai se preparava para fazer uma palestra na celebração do centenário de nascimento de Rui Barbosa. Daí a motivação do meu nome de batismo. Antes seria Eduardo, ou o estranho nome de Clélia Brasília, se fosse uma menina. Naquele tempo o sexo só seria conhecido no ato do nascimento. Era sempre uma surpresa bastante aguardada.
O parto de minha mãe aconteceu na casa em que vivia. Não existiam maternidades na época. Também não ocorriam, com a facilidade de hoje, cirurgias cesarianas, que poupam as mães das dores da parição. Todo o procedimento foi assistido por uma parteira, alguém que se especializava, por experiência, em ajudar as mães na hora do parto. Essa falta de assistência de um profissional médico, concorria para o grande índice de mortalidade, tanto das mães, quanto dos bebês, por ocasião dos partos.
Por ser um garotinho raquítico, pequenininho, recebi do meu avô materno, para preocupação e desconsolo de minha mãe, um presságio desanimador: “esse também não se cria”. Graças a Deus ele estava errado. A fragilidade de minha compleição física de nascimento foi vencida pela vontade de viver, se é que bebê tem vontade. Mas, com certeza, eu tinha uma missão na terra a cumprir e superei essa dificuldade apressadamente apontada por meu avô.
Então sendo o nascimento o início de tudo, não poderia começar essa série de crônicas, sem que dele fizesse registro. As histórias se diferenciam de acordo com a época e as circunstâncias, e trazem particularidades que as tornam singulares, especiais. O objetivo nosso aqui é, antes de um projeto autobiográfico, promover no leitor a oportunidade de buscar no fundo do baú a memória da forma como também foi protagonista de eventos semelhantes, e assim me acompanhar nessa gostosa sensação de reviver cada passo que demos no curso de nossas vidas.
• Esta nova série de crônicas chamarei de “INVENTÁRIO DO TEMPO II”, numa homenagem a meu pai, que num livro que recebeu esse título, escreveu suas memórias.
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