Cultura

A cabana eletrônica 


20/04/2020

Para Walter Santos, e Alvin Toffler (in memoriam). 

Há exatamente quarenta anos tivemos oportunidade de ler o livro A Terceira Onda (Ed.Record), do escritor americano, professor e futurista, Alvin Toffler (1928  2016). Era o segundo mais importante texto após escrever, dez anos antes, Choque do Futuro (1970), que viria revolucionar nossas ideias, com assuntos abrangentes em torno da sociedade do planeta e o que acontecia na época, também que viria acontecer ao nosso redor. Toffler, apesar de criticado por alguns, acertou muito sobre o atual panorama social, econômico, trabalhista, familial, religioso, educacional, científico, tecnológico, político, entre outros setores. Teve assim, a competência de nos fazer entender as revoluções, em ondas, pelas quais estamos passando. 

Partindo do princípio do que ele classifica como sendo a Primeira Onda, em que a sociedade tinha por base o consumo próprio do que produzia, vivendo em pequenas cabanas ou áreas equivalentes a pequenas localidades de tribos indígenas, em que a caça e a pesca, e depois a agricultura, prevaleceriam durante aproximadamente 10 000 anos, incluindo aí a Segunda Onda, quando os agricultores saem em maioriade suas casas, abandonam suas terras e partem para trabalhar nos chãos de fábricas, formando aglomerados de núcleos fabris e escritórios centralizados, na era da industrialização; a Terceira Onda seria justamente esta em que estamos vivenciando nossas mais dinâmicas e ricas experiências de transmutação ao redor do planeta. Uma revolução estrutural em nossas vidas, nossas casas, famílias, cidades, sociedades, e trabalho. Contando, inclusive, com a volta pra casa. 

Um novo sistema social, de produção e consumo, se alinha em unidades de trabalho, agora simplesmente identificadas como Home Office, ou trabalho em casagerando com isso a descentralização e desurbanização da produção. Oferecendo entre outros, menos poluição, menor uso de combustível e outras energias, menos estresse, mais saúde, lazer, conforto psíquico.   

Agora não mais camponeses, não mais a mão de obra fabril, não mais o manuseio pesado de força física bruta e (des) humana. Agora não mais o homem que passava horas fora de casa e gastava boa parte do tempo para ir e vir do trabalho, além de oito horas preso dentro dos seus escritórios e oficinas. Agora, o homem de volta pra casa, uma proposta com ênfase no lar, com foco no social, novamente valorizando a família. Um núcleo totalmente diferenciado, a cabana eletrônica.  

Com arquitetura totalmente diferenciada de até poucos anos atrás, a casa é hoje um ambiente confortável de diversa possibilidade e qualidade contando, inclusive, com a atrativa adaptação dos equipamentos eletrônicos, da internet das coisas, entre outras coisas que ajudam a viver melhor.  

Evidentemente, até alcançarmos a Terceira Onda, tivemos que passar pelo rompimento de diversas estruturas a um custo de vida, de erros e acertos, até chegarmos ao atual cenário, envolvendo a quebra de costumes, desafiando o velho para troca pelo que há de novo. Diversas cadeias foram suplantadas para dar lugar ao novo sistema de produção e consumo. A volta pra casa, por exemplo, contradiz e encontra no caminho a luta das mulheres para sair e trabalhar fora, ou compartilhar tarefas. A volta pra casa encontra ainda um novo plano social de casamento, de configurações e arranjos familiares que distancia do homem, mulher e filho, para dar lugar à vivência solo, ou compartilhada com amigos, com estudantes, com estranhos, com homossexuais casados e com filhos adotados, gays, LGBTS, com mães separadas, viúvas, mães avós, mães tias, país solteiros, idosos solitários, e muito outros tipos. 

A cabana eletrônica abre portas distante do piso de fábrica e das grandes plantas, para estabelecer uma nova ordem destruindo sindicatos, forçando a reorganização social, a auto capacitação, a reeducação para o lar e uso de equipamentos eletro eletrônicos e digitais, novas formas de comunicação, de ouvir música, de estudar, processar o próprio alimento, dialogar com pessoas, e até pensar, reforçando a demanda de investimento futuro para sobreviver. A volta pra casa diminui o número de trabalhadores e a força de trabalho das fábricas, agora substituída pelo uso de robôs, que podem ser manuseados a partir de computadores caseiros e seus aplicativos na palma da mão; e renova as possibilidades inteligentes de cada um ter sua própria fábrica caseira, oferecer seus serviços via internet e fazer opção por horários livres ou de trabalho. A volta pra casa aproxima os parentes, amigos, filhos, e ainda deixa margem para cuidar das plantas, para cultura, ler, escrever, desenhar, pintar, costurar, para o sexo, enfim, reaprender a vivenciar o lar.  

O novo debate se estende além da tecnosfera, da infosfera, da sociosfera, e rompe com tudo o que havia até então, como se quebrar cascas de ovos na paredeA ruptura vem modificar tudo e passa a oferecer serviços de call centers, vendas por telefone, projetos arquitetônicos sob encomenda, móveis projetados, roupas customizadas, designes, pesquisa, consultorias, terapias, autoajuda, psicologia, aulas de línguas, história, música, jornalismo, comunicação em geral, e muito mais.  

Longe da ficção dos filmes da série 007, quando o telefone celular era ainda uma criação impossível de ser realizada, quando a nanotecnologia era inimaginável, a física quântica era negócio da cabeça de gente doida discutir,  ou o homem ir até a lua e outros planetas era invencionice amaldiçoada na língua do povo; hoje a cabana eletrônica, em que somos voluntariamente obrigados a habitar, é ponto básico de reunião de forças da Terceira Onda, da Família nuclear contemporânea, e um convite ao futuro que pede, por exemplo, a descoberta urgente de uma vacina para a cura desse  corona vírus e outros que aparecerão. Mas tudo passa, e até essa onda…  É nessa direção que caminhamos para o futuro.  

 

Foto:(Imagens de Internet em 20.04.2020) – Mini cabana da fotógrafa ucraniana Alla Ponomareva, em Montana, no norte dos EUA. com projeto de autoria de Derek Diedricksen 


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