Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Política

A briga intestina da extrema direita


29/08/2020

Até pouco tempo bolsonaristas e moristas eram parceiros. Afinados ideologicamente. Comprometidos com causas políticas comuns: destruírem o PT e Lula. Ambos contando com o apoio explícito da grande mídia. Bolsonaro surfando na onda até então positiva da Lava Jato e tendo o ex-juiz e os procuradores que integram a força tarefa da operação como cabos eleitorais (Carlos Fernando chegou a confirmar isso numa entrevista na TV). E Moro e a Lava Jato visualizando na eleição de Bolsonaro o alcance de sucesso no projeto de poder que arquitetaram.

Tudo caminhava como haviam planejado. Eleição confirmada e convite a Moro para ser o ministro da justiça do seu governo efetivado. Enfim o lavajatismo chegou ao poder através do seu comandante maior. Nada transparecia a possibilidade de dar errado. Os primeiros meses do ano foram de grandes comemorações. Até que apareceu o The Intercept. A máscara começou a cair comprometendo a festejada união. A fama de paradigmas da moralidade e da ética conquistada pelos integrantes da Lava Jato foi desaparecendo velozmente. No campo do poder judiciário as decisões passaram a ser de absolvição de condenados pela república de Curitiba ou, simplesmente, de anulação de sentenças pronunciadas pelo ex-juiz. O seu protagonismo na cena política nacional já não é o mesmo, pelo crescente descrédito junto à opinião pública. Tanto isso é verdade que o presidente fez a alta aposta de demitir o ministro da justiça, tido por muitos como “imexível”, porque avaliou que sua saída do governo causaria mal menor do que se continuasse na Esplanada dos Ministérios.

Por outro lado, começaram a surgir também as guerrinhas de ciúmes. O presidente, que pode não ser intelectualmente um homem preparado, mas não é burro, percebeu que o seu ministro estava pretendendo vôos mais altos. Sua reeleição enfrentaria disputa dentro do próprio governo. Sentiu que estava na hora de cortar as asas do seu pretenso opositor na eleição presidencial de 2022. A “carta branca” prometida por ocasião do convite logo deixou de ter validade. O ministro perdia força a olhos vistos. Tanto por conta das reações de controle da situação pelo presidente, quanto pelos vazamentos que a opinião pública passou a ter conhecimento, desnudando o “conluio” liderado pelo ministro à época em que comandava a Lava Jato. Até que o rompimento foi oficializado.

Deltan Dallagnol, o segundo na hierarquia da operação Lava Jato, ao perceber a perspectiva do desenlace, começou a dizer que o presidente não estava honrando o compromisso de combate à corrupção feito na campanha eleitoral. Atos de Bolsonaro passaram claramente a demonstrar o seu afastamento da Lava Jato. Ela já não se fazia mais tão necessária para os seus objetivos políticos. Até porque observou que se iniciava o processo de sua desmoralização perante a opinião pública. O desprestígio do então ministro da justiça se revelava a cada dia. O divórcio não tardou. Deltan chegou, inclusive, a ser classificado pelo presidente como um “esquerdista ao estilo Psol” e de ter ligações com Ongs da esquerda. Risível essa qualificação para o procurador chefe da força tarefa. Mas o propósito foi de mandar o recado de que já não tinha mais o mesmo alinhamento político e ideológico.

A verdade é que a extrema direita está dividida. Vive um processo de autofagia. O núcleo ideológico que conquistou o poder está visivelmente desconjuntado. A briga intestina cada vez mais se estabelece, separando os bolsonaristas dos moristas. Não se tornaram apenas adversários políticos, mas inimigos. A novela está só nos primeiros capítulos. Promete muitas novidades.

Rui Leitão


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