Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

A anunciada vinda de Carlos Lacerda à Paraíba


21/05/2015

Foto: autor desconhecido.

 

1964 foi um ano que os brasileiros gostariam de esquecer. O país vivia um período de turbulência política e social, em razão do conflito ideológico entre os que apoiavam o governo de Jango, considerados esquerdistas e reformistas, e os que se postavam na oposição, pregando a ameaça de que estávamos correndo o risco de nos tornarmos uma nação comunista, esses classificados como os de direita e reacionários.

Naquele tempo, mesmo atento aos acontecimentos, não possuía ainda discernimento para formar opinião convicta sobre os assuntos políticos. Normal que me deixasse influenciar pelas posições de meu pai a respeito. Ele era assumidamente um admirador de Carlos Lacerda, um dos principais líderes do udenismo nacional, pretenso candidato à presidência da república. Mas era um expectador curioso dos fatos, na ânsia de melhor compreender o que estava acontecendo.

Lembro que, na manhã do dia três de março, presenciei as lideranças do Liceu, instituição onde estudava, organizando uma manifestação pública de protesto. Indagando da motivação daquele movimento político, fui informado de que se tratava de uma reação contrária à anunciada vinda do então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, à Paraíba, que viria servir como testemunha do casamento de um dos filhos do senador João Agripino e proferir à noite uma palestra na Faculdade de Direito, que funcionava ao lado do Palácio da Redenção.

Testemunhei a saída da passeata à distância. Não me sentia ainda motivado a participar de forma mais efetiva desses movimentos estudantis ligados à política. Mas durante todo o dia acompanhei o noticiário a respeito, além das informações que me chegavam através das pessoas do meu convívio.

Os estudantes secundaristas invadiram a faculdade e se colocaram no auditório, local onde estava previsto acontecer a palestra de Carlos Lacerda. Em princípio tudo ocorria de forma pacífica. Ganharam de imediato a adesão do Diretório Acadêmico do curso de direito, através do seu presidente Tarcisio Fernandes, que providenciou serviço de som para que pudessem ali proferir seus discursos. À medida que o tempo passava os ânimos iam se exaltando e os pronunciamentos passavam a ser mais fortes contra o lacerdismo.

Os adeptos da candidatura do governador carioca se organizaram em grupo para recepcioná-lo no aeroporto Castro Pinto, cuja hora programada para a sua chegada era às dezesseis horas. Lá receberam a informação de que Carlos Lacerda teria desistido de vir à Paraíba. Decepcionados e tomando conhecimento da invasão da faculdade, os lacerdistas decidiram ir ao confronto e marcharam rumo à Praça João Pessoa por volta das dezoito horas.

Lá chegando encontraram o prédio da faculdade de portas fechadas. O clima ficou tenso e preocupante. Principalmente quando eles resolveram arrombar a porta de entrada usando um aríete. O governador Pedro Gondim, em razão da gravidade da situação, solicitou apoio do exército para conter o conflito, no que foi atendido prontamente. Tropas do 15 RI, juntamente com a Polícia Militar, chegaram ao local e evacuaram a faculdade, levando presos 29 pessoas, entre eles estudantes secundaristas, universitários e jornalistas.

Dias depois o jornal A União publicava fotos de todos os presos, acusando-os de baderneiros, registrando inclusive que haviam encontrado no interior da escola, cigarros de maconha e bombas molotov, de fabricação caseira.

O episódio antecedia 29 dias do golpe militar que matava a democracia no Brasil e nos impôs o mais tenebroso período de nossa história. Mas nos permite avaliar o quanto estava em ebulição o país, vivendo esse ambiente de extrema apreensão que culminou com o fatídico ato que deu origem a uma ditadura militar que durou mais de década.

Preferi não citar nomes das lideranças envolvidas, de ambos os lados, para não incorrer em omissões. Meu propósito é o de trazer à memória um acontecimento que se mostrou importante nos dias que se anteciparam ao golpe, já que este trabalho se propõe a fazer um inventário do tempo.

• Integra a série de textos “INVENTÁRIO DO TEMPO II”.


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