Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Sociedade

A advertência do Marechal Lott


22/04/2024

O golpe de 1964 ainda não tinha sido efetivado, mas alguns anos antes já havia quem publicamente advertisse do perigo de termos uma ditadura militar. Essa chamada de alerta não foi feita por um civil. Ela foi declarada por um oficial do exercito de alta patente. Na eleição presidencial de 1960, quando foi eleito o político que se proclamava “o homem da vassoura”, com a promessa de que varreria do país a corrupção, o candidato apoiado pelo presidente Juscelino Kubitscheck era o Marechal Henrique Teixeira Lott.

É importante registrar que ele só aceitou disputar a presidência da República quando passou para a reserva, porque tinha o entendimento que não é função de um militar da ativa governar a nação. No livro escrito por Cláudio Aguiar, ao elaborar a biografia de Francisco Julião, encontramos uma observação interessante. Ele afirma que para Lott, “a pior tirania era a imposta por militar, porque é treinado em função da violência, circunstância que o torna perigoso quando assume o papel histórico de ditador”. O então candidato entendia que a ditadura é um governo de terror, principalmente se de índole militar.

Quatro anos depois experimentávamos essa verdade anunciada pelo Marechal Lott, vivenciando um regime ditatorial, comandado por militares, que durou mais de duas décadas. A postura dele demonstra bem que entre os fardados existe muita gente que não acha adequada a politização das Forças Armadas. Em anos recentes assistimos essa atuação incompatível com a Constituição, configurando-se numa flagrante ameaça à democracia.

Os regulamentos militares já proíbem claramente que seus integrantes se filiem a partidos ou participem de movimentos políticos. Norma que não foi obedecida, pois temos, atualmente mais de 60 militares atuando na política partidária. Pesquisa feita pela CNN em outubro do ano passado, ficou revelado que boa parte dos “praças” concorda com essa proibição, por compreender que a vida militar é uma escolha que está limitada em relação a atividades políticas.

O presidente do STM, tenente-brigadeiro do ar, Joseli Camelo, reconheceu que houve exagero na nomeação de militares no governo que se findou em 2022, concordando, inclusive, com a ideia do Ministro da Defesa, José Múcio, de enviar ao Congresso uma PEC para obrigar militares a irem para a reserva, caso assumam cargos públicos. Isso inibiria os impulsos atraídos para a política por motivações ideológicas.

As Forças Armadas precisam se ater ao nobre exercício da defesa da pátria e das fronteiras. Elas são uma instituição do Estado brasileiro, e não de quem esteja eventualmente no seu comando. Nenhum presidente poderá repetir o que ouvimos do mandatário que deixou o poder recentemente, quando as chamou de “as minhas Forças Armadas”. Elas pertencem ao Estado e não ao chefe da nação. E merecem respeito.

O pronunciamento do Marechal Lott, feito na eleição de 1960, deve ser encarado como uma reflexão que se faz necessária para que não voltemos a viver um novo golpe de Estado tutelado por forças militares. Estivemos novamente muito próximos disso.


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