Economia & Negócios

Chefe do Departamento de Economia da UFPB fala sobre o STF e a prisão em segunda instância


22/03/2018

O professor Paulo Amilton, chefe do Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), fala sobre o STF e a prisão em segunda instância, em novo artigo publicado nessa quinta-feira (22). O artigo semanal é uma parceria do Departamento de Economia da UFPB com o Grupo WSCOM.

“No futuro, todos os envolvidos nos desvios dos recursos públicos nunca mais serão impedidos. Esses recursos são mais importantes justamente para aqueles que nosso Macunaíma, e seus simpatizantes, diz que defende, que são os mais pobres. Estes continuarão a ter uma educação que perpetuará as desigualdades, por que os desvios de verbas escolares e o favorecimento ao ensino privado não serão coibidos”.

Confira a íntegra do artigo:

O STF e o nosso Macunaíma

Por Paulo Amilton Maia Leite Filho

A questão original que os economistas institucionalistas fazem é: Por que algumas sociedades são mais pobres que outras? Em uma adequação a realidade brasileira, eu reformulo a questão: Por que algumas sociedades são mais desiguais que outras?

Na visão de Douglas North, prêmio Nobel de economia, a falta de poupança, de inovação, de economias de escala, de educação, de acumulação de capital, está justamente nas diferenças nas instituições de cada sociedade escolhe e que não permitem o surgimento ou desenvolvimento daquelas condições para que o crescimento esteja presente e a pobreza seja erradicada. 

Na questão reformulada que coloco, ficamos, por que o sistema tributário é constituído para cobrar mais dos mais pobres do que dos mais ricos? Por que o sistema educacional perpetua a desigualdade de oportunidades? Por que o sistema previdenciário é tão favorável ao funcionário público mais aquinhoado?  Por que o judiciário é tão rígido com os pobres, pretos, mulheres e nordestinos em detrimento aos outros estratos de renda, de gênero, de cor, de região? Seguindo North, tudo isto acontece por que as instituições adotadas pela sociedade brasileira a transformaram numa imensa usina de desigualdades.    

Se instituições são importantes, então como defini-las? Para North,  instituições “são as regras do jogo na sociedade, ou mais formalmente, são os instrumentos construídos pela sociedade humana para moldar suas interações. Como consequência, elas organizam a estrutura de incentivos nas trocas humanas, no sentido político, social e econômico”.

O funcionamento adequado das instituições que regem uma dada sociedade tem como precondição a existência de uma terceira parte imparcial, o judiciário. Este julga e pune os comportamentos oportunistas das duas partes que interagem numa economia, que são as que oferecem os serviços e produtos e as que demandam o que é oferecido. Existindo um sistema legal que funcione adequadamente, existirá uma autoridade legal com poder de polícia. Neste ambiente pode-se estabelecer contratos entre as partes que interagem.

Se uma parte acredita que o Estado está alinhado com os interesses de alguma outra parte e se recusa a obrigar esta parte a honrar o contrato, então o contrato terá pouco valor. Neste sentido, a imparcialidade de uma terceira parte é essencial para o estabelecimento de uma sociedade mais justa e igual.

Uma outra característica que a terceira parte deve apresentar é a estabilidade dos julgamentos. Sem estabilidade, as decisões da terceira parte não terão credibilidade. Não se pode mudar ao sabor dos ventos as decisões e estas não podem ser refém dos interesses de um dado grupo. A instabilidade das decisões faz com a terceira parte perca a credibilidade junto as partes envolvidas na interação.

Vamos considerar a situação em que uma dada sociedade tem uma liderança muito popular. Esta não abre mão de seu poder de jeito nenhum, mas decide, por que num dado momento é do interesse dela, prometer que vai obedecer às regras institucionais então vigentes e que respeitará as decisões emanadas da terceira parte que julga seu comportamento. Nesta situação, as partes envolvidas nas interações típicas de uma sociedade tomam decisões no curto prazo que só terão retorno no longo prazo. O fazem por que confiam que a probabilidade da ocorrência de um dado resultado é favorável a ela.

No entanto, como dizia Maquiavel, “ao príncipe não faltam razões morais para descumprir uma promessa”. Ou seja, a promessa não tem credibilidade. Isto por que a terceira parte, que deveria estar acima da liderança popular, não a obriga a respeitar a promessa e nem de cumprir o que ela mesmo decidiu. Isto pode se dever ao medo da reação dos simpatizantes da liderança popular pelo fato dela obrigar a cumprir a promessa ou por que é simpática a própria liderança. Segundo a liderança, e seus simpatizantes, não pode a terceira parte forçar a mesma a respeitar o compromisso de cumprir a promessa. Sendo assim, exige que a regra seja mudada para lhe favorecer. Alegam para isto a defesa da democracia, o combate a um judiciário que estabeleceu o partido da Justiça, etc.

Neste ambiente, aquelas partes que fizeram escolhas que só terão retornos no longo prazo podem ter prejuízos com as escolhas feitas. Se as escolhas forem condizentes com os interesses da liderança popular, existirá a tendência de que as escolhas gerem retornos positivos. O inverso causará retornos negativos. Esta sociedade será desigual simplesmente por que o cumprimento das regras só vale para aqueles que não são simpáticos a liderança popular. 

Escrevo essas linhas inspirado nos acontecimentos desta semana. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu duas vezes pela prisão de jugados quando a segunda instância do judiciário decide que existe culpa. Esta decisão influenciou as escolhas de vários envolvidos na Lava Jato e contribui para que o combate a maior chaga da sociedade brasileira, a corrupção política, fosse pela primeira vez atacada.

Mas aquela decisão não está de acordo com os interesses de nossa liderança popular, nosso Macunaíma. Este está acima do bem e do mal por que foi ele que atacou vários problemas da sociedade brasileira. Seu governo foi o mais benéfico de toda a história brasileira aos menos assistidos. Isto torna-o livre de julgamentos e de cobranças. Sendo assim, ele, e seus simpatizantes, exigem a mudança da regra, o que o STF já está providenciando usando raciocínios jurídicos sofisticados, pois aos “áulicos do príncipe não faltaram razões morais e legais para modificarem as regras”, usando Maquiavel de inspiração.

No afã de salvar nosso Macunaíma, não conseguem vislumbrar as consequências de longo prazo. No futuro, todos os envolvidos nos desvios dos recursos públicos nunca mais serão impedidos. Esses recursos são mais importantes justamente para aqueles que nosso Macunaíma, e seus simpatizantes, diz que defende, que são os mais pobres. Estes continuarão a ter uma educação que perpetuará as desigualdades, por que os desvios de verbas escolares e o favorecimento ao ensino privado não serão coibidos. Um sistema de saúde que beira o caos, por que os favorecimentos aos grupos de saúde privada não terão suas escolhas contestadas. Um sistema prisional que só tem preto, pobre e nordestino, pois estes provavelmente não terão recursos para levarem seus casos as instâncias superiores do judiciário. Um sistema tributário altamente favorável aos mais ricos, por que são estes que financiam nosso Macunaíma, ou alguém acha que as palestras e o Instituto Lula foram financiados pelo MST?

 Enfim, para salvar nosso Macunaíma vamos perpetuar uma das sociedades mais injustas do mundo, ao transformá-la numa autêntica República de Bananas, com a anuência juridicamente sofisticada do STF.



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