Cultura

Carnaval: África está presente nos enredos das escolas de samba do Rio


09/07/2023

Foto: Gustavo Domingues/RioTur



O que Nilópolis, Maceió e a Etiópia têm em comum? É a Beija-Flor de Nilópolis, que, no carnaval de 2024, apresentará na avenida o enredo Um delírio de Carnaval na Maceió de Rás Gonguila. A escola vai reverenciar as realezas desses três lugares e, como costuma marcar os seus temas, falar um pouco da cultura negra.

A história para mostrar um encontro mágico começa a ser contada com Benedito dos Santos, que nasceu em Maceió e mais tarde ficou conhecido como Rás Gonguila, porque dizia ser descendente direto do último imperador da Etiópia.

João Vitor Araújo, carnavalesco da Beija-Flor, diz que o enredo surgiu depois do carnaval de 2023 com a possibilidade de uma parceria com a cidade de Maceió. Como ele precisava de um gancho para contar a história da capital de Alagoas por um outro olhar, acabou encontrando em uma pesquisa a figura do Gonguila para ser o fio condutor do enredo.

História

Para o carnavalesco, foi uma grande coincidência ser um homem negro e, por incrível que pareça, não foi proposital, mas o personagem negro se encaixa perfeitamente na característica da escola.

“A história começa na figura de um homem que viveu no início do século passado nas ruas de Maceió e um dia delirou. Escutou pelo rádio que o último imperador da Etiópia acabara de ser coroado. Ele pensou o seguinte: ‘bom, já sou descendente de Zumbi e Dandara, porque não posso ser também descendente desse príncipe lá da África? Então, a partir de hoje não me chamarei mais Gonguila, me chamarei Rás Gonguila’. Rás é o título mais alto da nobreza da Etiópia. Aí, começou a ser conhecido como Rás Gonguila”, revela em entrevista à Agência Brasil.

João Vitor conta que a vida de Rás Gonguila mudou completamente a partir desse delírio que ele teve e passou a ser uma pessoa altamente popular. Tornou-se o que hoje se chama influencer.

“Precisavam da figura do Rás para que ele pudesse alavancar campanhas políticas, para que fosse uma espécie de conselheiro e, de certa forma, formador de opinião, já que era tão popular. Li em um artigo que até Getúlio Vargas precisou que Rás subisse no palanque dele, quando fazia campanha política no Nordeste e precisava de uma figura popular. Um influencer daquela época”, relata.

“O cara não sabia ler, nem escrever, mas era extremamente inteligente e elegante. Às vezes, as pessoas confundem muito quando se fala de uma personalidade, de um homem preto no início do século, se pensa logo que o cara sofreu e apanhou. Não. É uma história diferente. Ele acreditou naquele delírio, botou aquilo na cabeça e venceu dessa forma. O que eu quero dizer com a história do Rás é que, para vencer na vida, não precisa ser rico, nem obter bens materiais. Nada disso. Na cabeça dele, a fama como príncipe da Etiópia que vivia em Maceió era suficiente para que ele fosse feliz”, analisa.

O ponto de ligação com a Etiópia é o regente e imperador daquele país, Haile Selassie. Ele foi regente da Etiópia de 1916 a 1930 e imperador de 1930 a 1974. Assim, tem-se o ponto de ligação de Gonguila, que se considerava próximo e, por isso, tinha condição de usar o mesmo título do etíope: Rás.

“Já que é um delírio, o carnaval entra na história para promover a coroação do Rás Gonguila. Nesse enredo a gente convida o príncipe, a realeza da Etiópia, para que vá até Maceió promover a coroação desse cara. A gente conta a história de dois personagens que nunca se viram. É interessante, ele dizia que era descendente do outro, mas, na verdade, os dois nunca se viram. A minha missão nesse carnaval é fazer o encontro das três realezas, porque cito também a realeza nilopolitana: a Beija-Flor de Nilópolis. Só o carnaval para promover este tipo de acontecimento”, acrescenta João Vitor.

O bloco Cavaleiro dos Montes, criado por Gonguila, não existe mais, porém, está presente na memória afetiva de Maceió. “Esse bloco não existe mais, mas ainda hoje, quando se pergunta para as pessoas de Maceió qual o bloco que elas mais sentem falta, todo mundo cita o Cavaleiro dos Montes, fundado pelo Gonguila. Esse bloco, que já era popular, se torna mais popular a partir do momento em que ele se transforma na figura do príncipe etíope das Alagoas”, diz.

João Vitor adianta que muitos compositores já entregaram os sambas que passarão por uma seleção até a escolha do que será levado para a avenida em 2024. O carnavalesco está animado com o nível das composições. Segundo ele, o barracão também está em fase avançada com metade dos protótipos de fantasias e alegorias concluídos. Além disso, já começou a confecção de alegorias a partir das ferragens.

“Eu digo que o fim do ano é sempre um termômetro positivo ou negativo para o carnaval. Se você está com tudo atrasado é uma previsão um pouco desastrosa, mas quando termina o ano com o barracão bem encaminhado é sinal de que vai dar tudo certo”, ensina.

João Vítor comemora ainda estar sozinho à frente do carnaval da Beija-Flor. Em 2023, ele dividiu a função com a carnavalesca supercampeã, Rosa Magalhães, na Paraíso do Tuiuti.

Ao ser lembrando que já houve um João que fez desfiles ganhadores de campeonatos, o carnavalesco sorri. “Opa, que eu seja o próximo. Digo o próximo, mas acho que ninguém substitui Joãosinho Trinta. Aquele cara merece todas as reverências, mas se eu conseguir um título nessa estreia vou ficar muito feliz”, antecipa. O carnaval de 2024 será nos dias 10, 11, 12 e 13 de fevereiro.

Vila Isabel

A Unidos de Vila Isabel resolveu reeditar, em 2024, o enredo Gbala: uma viagem ao Templo da Criação”, criado em 1993 pelo então carnavalesco Oswaldo Jardim, já falecido. Agora, o tema será desenvolvido por Paulo Barros.

Baseado na cultura Yorubá para trazer o enredo a partir de uma narrativa fictícia, ao mesmo tempo a Vila homenageia Oswaldo Jardim e propõe uma reflexão sobre o planeta, as mazelas produzidas pelos humanos e a possibilidade de salvação por meio das crianças.

“Há 30 anos, Oswaldo Jardim, um dos grandes artesãos do carnaval carioca, embarcou na própria imaginação rumo a uma viagem fantástica. Partindo de uma narrativa fictícia, desfilamos no carnaval de 1993 a criatividade e a sensibilidade deste saudoso carnavalesco que propôs uma reflexão muito atual sobre o nosso planeta: as mazelas que os humanos fazem à terra e a possibilidade de nos salvarmos por meio das crianças e sua candura”, afirmou a Unidos de Vila Isabel em um texto de apresentação do enredo no seu perfil do Instagram.

No enredo, o criador Oxalá adoece diante da humanidade corrompida nos seus propósitos iniciais. “A única alternativa para salvá-lo era levar as crianças da terra para o Templo da Criação, para que, conhecendo o mundo tal qual foi concebido curassem Oxalá dos males e salvassem a humanidade. Nessa jornada, elas descobririam como o mundo e o homem foram criados e os valores da vida humana no sentido de bondade, paz e amor”, completa.

Samba

Não haverá disputas entre compositores porque a azul e branco do bairro de Noel Rosa vai para a avenida com o samba-enredo de autoria de Martinho da Vila, o mesmo daquele ano. Até hoje, o samba é considerado como um dos mais bonitos produzidos por Martinho. Em 1993, a escola teve que enfrentar um temporal na hora do desfile e na classificação ficou em oitavo lugar, mas se depender de Martinho a história agora será outra.

“Eu estou felizão. Até disse que não estava mais a fim de desfilar e ia dar um tempo, mas a Vila Isabel vai reeditar o enredo Gbala: uma viagem ao templo da criação, que é um que mais gosto. Aí, vou ter que estar na avenida. Vai ser impressionante e tem mais uma: a Vila Isabel vai ganhar”, disse Martinho à Agência Brasil.

Agência Brasil



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