Geral

Carlos Alberto


14/08/2012



Semana passada fomos tomados de tristeza com a notícia da morte pré-anunciada do jornalista e escritor Carlos Alberto Tavares, radicado em Brasília há muitos anos, onde exercia sua profissão no jornal Correio Braziliense. Veio fazer de João Pessoa sua última morada, e no seu adeus, re-ver os amigos e familiares.

Depois de ler as crônicas maravilhosas dos mestres Gonzaga Rodrigues, Carlos Aranha e Martinho Moreira Franco, fui rabiscando aqui também, minhas lembranças de Carlos, não do seu talento ou legado literário, pois nunca li nada seu – uma lacuna, mas desse amigo, que fez parte da minha geração, e da minha família, um dia.

Conheci Carlos Alberto quando tínhamos 15 anos. Ele já com aqueles olhos arreados…e tristes…e inquisidores. Desde sempre, tinha um vulcão dentro de si. Um temperamento rebelde, intempestivo e indomável. Era um Selvagem da Motocicleta, como talvez o tivesse sido James Dean, Marlon Brando, e tantos outros. Selvagem, pois Carlos tinha uma fúria existencial in-explicável, mas compreensível se tentarmos racionalizar as coisas. Mas, como explicar o lado sutil da vida; o sensível e o subjetivo destino de cada um?

Carlos era o caçula de uma família de seis irmãos, filho do médico mais que respeitado e querido, Dr. Arnaldo Tavares, e de D. Otaviana, uma mulher de olhos amarelados, também arreados, instigantes e curiosos. Logo cedo, Carlos viu seu irmão do lado, o grandioso pintor Flávio Tavares, um sucesso e uma unanimidade. Paulinho, outro irmão, já com as certezas do que faz uma planta crescer, apontando para os tomates e hortaliças; José Arnaldo e Tereza Helena a seguir os rastros do pai, médicos e geneticistas re-nomados, e o mais velho Sérgio, esse o geógrafo, o que sabia de todos os mapas e todas as direções; dominava os caminhos literários, como também os da cultura e da erudição, e portanto, o querido mestre de todos os outros.

Falam os psicólogos que, ser caçula é um peso. Ainda mais numa família de ilustres. Acho que, na minha psicologia de araque, Carlos Alberto viveu essa ambiguidade. Se por um lado você é o queridinho e o mimado da casa, por outro, você tem in-conscientemente, um complexo de superação, pois seja lá o que/quem tenha vindo antes, você terá que ser melhor. E no caso de Carlos Alberto, não seria pouco ler todos os livros de Sérgio, desenhar como Flávio, fazer pescarias em Gramame como Zezinho, entender das uvas e dos melões como Paulinho, ou dar conta de tudo isso como Tereza, e mais um pouco. Imagino que Carlos deve de ter vivido em permanente angústia, até descobrir seu caminho, no curso de Letras, quando na amizade com escritores jovens, como Hildeberto Barbosa Filho, enveredou pelos contos, pelas estórias imaginadas, e pelos canteiros da memória, descobrindo assim que, haveria também um caminho todo seu. Mas esqueçam tudo isso, pois a capacidade de resiliência na vida é única e intransferível, e ponto. E sem explicação alguma. E a nossa essência, acho, está sempre se sobrepondo a todo o resto.

Carlos Alberto era um tsunami. Fervia por dentro. E tinha os conflitos dos homens da sua época. Mais ainda em relação às mulheres, quando essas tomavam os rumos da independência e da liberdade sexual, que já andavam a sol alto, fosse nos bares como O Boiadeiro, ou simplesmente na vida cotidiana. Era um homem apaixonado, mas que não compreendia o estado amoroso. Talvez não compreendesse a si mesmo, tão pouco. Viveu na complexidade desse diálogo. Ou na falta dele. Mas tinha seu lado terno e muito. Vi e vivi momentos com açúcar e com afeto ao seu lado, fosse discutindo filmes, viagens, comentando sobre aquela amiga linda, ou simplesmente tomando a sopa de feijão da sua casa da Rua das Palmeiras.

Lembro dele com a sua raiva no bolso. Uma raiva global! Uma raiva do mundo. Mas também uma raiva íntima, que lhe corroia, mas do que a tudo e a todos. Talvez como o Jimmy Porter, personagem da peça emblemática Look Back in Anger, do dramaturgo inglês John Osborne, precursora do movimento pós-guerra, dos Angry Young Men. Carlos Alberto tinha essas raiva eloquente desses personagens pós algum tempo político, no seu caso, pós 64. Seus irmãos foram engajados na luta contra a ditadura, presos e no caso de Sérgio, cassado. Fez parte da geração que veio depois, e nesse vácuo, se instalara uma raiva alienada; raiva das sensações incontroláveis; raiva da sociedade; dos pares; enfim….um estado raivoso que era quebrado somente pelo olhar do menino Luca (como pontuou Martinho Moreira Franco), quando se esmorecia com o som da música de Johnny Rivers – Do Wanna Dance; ou Cat Steves – Father and Son, James Taylor – You´ve got a friend, ou ainda Carole King It´s too late.

Agora, lendo tantas homenagens, inclusive no Jornal em que trabalhou, percebo que essa comunicação no trabalho se dava de forma mais suave. De longe, somos outros! A natureza humana é sempre uma selva para todos. Mais ainda para aqueles, que por razões divinas ou subterrâneas, não dão conta das suas próprias feras.

Da última vez que o vi, já fragilíssimo e se despedindo de João Pessoa, encontrei-o casualmente numa calçada, em uma manhã qualquer, solitário e contemplativo, e quando o vi, nos abraçamos ternamente como nos velhos tempos. Ele, como se recuperando o passado, me elogiou carinhosamente. E muda e desconcertada, só encontrei no silêncio, o meu último adeus. Ao entrar no carro, ironicamente tocava While My Guitar Gently Weeps…e, ao som dos Beatles e com as lágrimas em companhia, saí pensando na vida, na vida e na vida. E na brevidade. E nos instantes. E pensei: quando morre alguém do nosso círculo, morremos um pouco também. Tenho morrido muito ultimamente!

Na sua despedida, fiquei a sorrir baixinho, a me lembrar do seu andar a La John Wayne, quando me acompanhava nas caminhadas de um certo verão do Cabo Branco, no Ed. Gravatá. Eu, com meus biquines de laçinho ia ao seu lado, e quando cruzávamos com um homem, fosse de qualquer idade, credo ou religião, ele, no posto de um cunhado zelador, estufava o peito, e olhava com seus olhos arreados para o cara, a checar assim se o mesmo havia se virado para me despir com os olhos, e focar na parte que os brasileiros mais gostam. Eu ficava constrangida, pois sabia me cuidar, mas, como fazê-lo perder aquele ar autoritário das posses e dos comandos?

Ao vê-lo ali, inerte e acabrunhado, foi também momento de encontro com tantas pessoas de um tempo, que fez o caleidoscópio girar. E a memória das coisas findas muito mais que lindas, como tão bem disse o poeta, essas ficarão. E re-vi você, menino Luca.

Na sua despedida, ao ver seu filho Pedro emocionado, não pude deixar de cantarolar baixinho: Do You wanna Dance….até porque fiquei sabendo recentemente que, para nossa alegria e espanto, Pedro gosta de dançar, desafiando assim as leis da gravidade, e das suas limitações, ou quem sabe das indignações que a vida nos impõe. Acho que, de tanto cantar Johnny Rivers, a música ficou no seu DNA Carlos Alberto. E quem sabe Pedro, teve a transcendência de, uma geração depois, transformar angústia em valsa dançante.

E que você consiga, finalmente e gentilmente, dançar em paz!

Saudades! E o meu abraço a Pedro, Marina e Gina; Iara e Amélia, como também e principalmente a Flávio, Paulinho, Zezinho e Tereza.



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