Música

Cantor Escurinho relata sua passagem pelo Hospital Metropolitano de Santa Rita, após sofrer um AVC

Candidato a vereador, músico teve problema de saúde no primeiro turno das eleições 2020.


20/12/2020

Escurinho -divulgação/RafaelPassos

Portal WSCOM



Leito 15. Enfermaria 5

 

O leito 15 tem sido meu lugar de acolhimento desde o dia 10. Dia em que meu coração disse, hora de parar. Não de parar de bater. Seria o fim. Hora de desacelerar. De parar de correr. De andar mais devagar. Dar tempo para as coisas. E pessoas. Mastigar e saborear mais as frutas e verduras, dar mais sentido ao beijo e aos abraços. Hora de se refazer. Reaprender.

A vida na enfermaria começa cedo. Às 5 horas da manha os enfermeiros passam para os procedimentos. A primeira picada. Recolher sangue para exames de rotina. Um verdadeiro tormento para mim. Depois da segunda já estava mais tolerante com as picadas. Foram muitas. Tem que se acostumar. Por isso somos “os pacientes”. As injeções por serem muitas são aplicadas via acesso [venoso]. Não incomodam.

Preção arterial perfeita. Glicemia em ordem. Um pensamento saudoso. Saudade da minha casa, da minha gente, dos bichos, dos instrumentos, do pique da campanha. Mas a certeza de está no lugar certo para cuidar da minha saúde me anima. Lá fora as pessoas continuam na campanha que anda a todo vapor.

Aqui essa angústia e a vontade que der tudo certo e possa voltar a minha vida. Não diria de sempre. Impossível depois de um susto desses. A mudança vai ser radical, necessária. Para seguir em frente.

O enfermeiro Léo, vai ficar cuidando de mim por esses dois dias. Dois primeiros dias. O tipo do profissional que sabe o que faz. Gosta do que faz. Ao perceber minha angústia não hesitou nas palavras de conforto e carinho.  Me fez sentir seguro e esperançoso. Léo, assim como a maioria dos profissionais de saúde, foi vítima da covid-19. Me contou da sua agonia. E de como depois de vários dias entubado, viu os amigos profissionais se despedindo dele, já dado como sem chance. Como morto mesmo, e sabia que tinha que reagir. Seu corpo já não dava sinal, quando de repente consegue mexer a perna. A correria foi geral, – tá vivo, tá vivo -. Os procedimentos mudaram e hoje, quatro meses depois, ele está aqui cuidando de mim e de muita gente nesse hospital. Ouvir sua estória de superação me deu força. Valeu Léo.

Nessa mesma enfermaria está comigo aos cuidados de Léo, dona Francisca. Uma senhora de Catolé do Rocha, que ao ouvir meu nome ficou curiosa até resolver perguntar, – você é Escurinho, filho de dona Marlene e seu Manoel? Eu conhecia muito a sua mãe, era uma grande amiga minha -. Uma alegria enorme se apossou de mim a ouvindo falar da minha mãe. De como dona Marlene ajudou a salvar crianças da fome e de outros males naquele sertão às vezes seco, às vezes molhado. Minha mãe foi funcionária da maternidade de catolé por muitos anos. Ouvir alguém que conviveu com ela, contar estórias tão ricas sobre ela me deixou orgulhoso.

Pretendo contar mais sobre meu período na enfermaria do Hospital Metropolitano de Santa Rita e de como consegui mais essa chance de estar aqui. Tenho comigo um caderno cheio de coisas que quero mostrar. Escrever me ajudou a me tornar um paciente de verdade.

Não foi nada fácil.

Agora estou em casa, com bichos, plantas, instrumentos e minha gente.

 

Jonas Neto – Escurinho (músico, compositor e ativista cultural)



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