Paraíba

 ‘A cana e o efeito de borda na floresta amazônica’, por Andréa Bezerra Cavalcanti


03/04/2018

O projeto de Lei 626/2011, de autoria do Senador Flexa Ribeiro, pretende autorizar o cultivo de cana-de-açúcar na Amazônia Legal e impulsionar a atuação do Brasil no mercado mundial de etanol.

A cultura de cana não é indicada na Amazônia pelo efeito de borda que causa em áreas adjacentes às plantações. A borda é o encontro entre as áreas alteradas e as florestas, e o efeito de borda tende a “tanger” a floresta. Diante disso, quanto mais numerosas as áreas de plantações, menores os fragmentos de florestas e maior o efeito de borda, formando ilhas de diversidade ou hotspots. Parte das espécies não resiste ao estresse hídrico, à luminosidade, entre outras condições ambientais da borda, e são
eliminadas.

O uso de defensivos químicos, na cultura da cana, potencializa o efeito de borda e
extingue populações de insetos polinizadores, alcançam os corpos hídricos, contaminam e esterilizam a água.

O abastecimento de água de todas as regiões brasileiras é alimentado pelo ciclo de chuvas e nuvens que se formam a partir da evapotranspiração da floresta amazônica. A crise hídrica prejudica a produtividade agrícola; reduzir a floresta diminuiria a disponibilidade de água e a segurança alimentar em todo o continente.

Liberar o cultivo de cana em áreas alteradas funcionaria como incentivo à alteração das áreas florestais. Mês passado, o Senado perdoou as dívidas de multas e penas de reparação, para as áreas desmatadas ilegalmente, como uma espécie de bonificação ao desmate (que já cresce a cada ano), figurando um plano progressivo de retrocessos ambientais.

O Estado brasileiro atua apoiado numa política liberal de Estado Mínimo, que incentiva o agronegócio, a apropriação da natureza e privatizações do patrimônio público. Segundo Marco Mitidiero, PhD em Geografia Humana, “estamos sofrendo o maior desmonte do Estado nacional e a mais efetiva dilapidação do patrimônio público, sobretudo dos bens naturais, desde o período colonizador”, graças a essa conjuntura legislativa recente. A Bancada Ruralista compreende 207 deputados que se ocupam de criar e desarquivar projetos de interesse ruralista, impelir a reforma agrária, o desenvolvimento da agroecologia, as demarcações indígenas, com o slogan “A Agro é Pop” e um discurso falacioso de que o agronegócio sustenta a economia.

Parece catastrofismo, mas é consenso científico. A revista Science publicou uma carta expondo os principais efeitos negativos do impacto da cultura de cana na Amazônia.  “Amazon sugarcane: A threat to the Forest” foi publicada no dia que seria a votação do PL626/2011 _ adiada por falta de quórum. Ganhamos, assim, tempo para dialogar e votar contra o projeto, na página do Senado.

A cana-de-açúcar, plantada com o sacrifício da floresta, perderia o apelo ecológico do mercado alternativo e renovável dos biocombustíveis. Esterilizar a Amazônia seria tão danoso quanto explorar o próprio petróleo e criaria uma imagem negativa do etanol brasileiro diante do mundo.

Áreas de preservação ambiental, unidades de conservação e os povos da floresta prestam diversos serviços ecossistêmicos. Além da reciclagem da água, manutenção da temperatura e da umidade, a Amazônia resguarda o maior estoque natural e banco genético de biodiversidade do mundo.  Existem muitas formas, culturas ecológicas, sistemas agroflorestais e sintrópicos para usufruir da Amazônia sem danificar irreversivelmente a floresta. É este tipo de projeto que precisamos votar e impulsionar.


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