Geral

Beleza Comum


06/11/2012



 A beleza, quando é linda demais,
…é uma pá. Um tapa. Um golpe.
Um bote que nos paralisa, organiza,
Dispersa, conecta e completa!
Estonteantemente linda…

(A Fúria da Beleza, Elisa Lucinda)

Uma vez, entre amigas, comentei que, uma mulher de quem falávamos (nem de bem nem de mal!), era uma mulher comum. E uma das amigas se intrigou (talvez a palavra comum tenha lhe arreliado…) e me perguntou porque. Confesso que, foi difícil responder. Eu, talvez com um pouco de intriga, falei asperamente: “Comum, Ora bolas! Sem nada de extraordinário”. Mas aí,caí numa outra armadilha própria, quando comecei a descrever essa mulher, e me dei conta de que, a mulher em questão, …era uma mulher comum, e daí?. Profissional, casada, mãe de família, toma conta da vida do marido (o que para mim nem é tão qualidade assim!), do jardim, organizou e melhorou a vida de todos, ascendeu culturalmente, boa dona de casa, sabe cozinhar e receber amigos, é amada e querida, etc e tal.

E as outras mulheres me olharam incrédulas e disseram: “Comum? Mas essa mulher é bacana, qual o problema em ser assim!” E eu fiquei comendo um capinzinho por ali, como dizia meu pai, resignada ao me pré-conceito, e a pensar no binômio comum x extraordinária.

Logo me fez pensar em Virginia Woolf e do seu texto Women and Fiction, texto esse cujo um dos conceitos é o da Mulher Comum e da Mulher Extraordinária, onde ela ressalta que, ao longo dos séculos, as mulheres extraordinárias, tem muito o que reverenciar às mulheres comuns, pelo menos nos quesitos escrita e literatura. E não só. Woolf fala que, a mulher extraordinária, dependeu da mulher comum se levarmos em conta as condições da vida dessas mulher: o número de filhos, se tinha dinheiro ou não, se tinha um quarto todo seu, ajuda para com as crianças, casa, etc… E que, somente quando pudéssemos medir esse tipo de experiência, de vida possível à mulher comum, é que poderíamos contabilizar o sucesso ou fracasso da mulher extraordinária. Virginia falava da mulher escritora, mas fiquei a pensar nas suas palavras, também quanto às outras mulheres e profissões.

Há alguns dias, vi uma entrevista da atriz Ingrid Guimarães, famosa pelo humor, pelos filmes, a falar do seu novo trabalho, a peça- Razões para ser Bonita. Particularmente gosto do seu programa Mulheres Impossíveis e depois Homens Impossíveis, do GNT. Também adorava sua paródia à Gisele Bundchen, quando satirizava a über-model, o seu andar, seus cabelos, ou os trejeitos de quem é linda, com todas as caras e bocas possíveis.

Quando a vi nos programas que assisto – Jô Soares e outros, fiquei surpresa com o tema da peça (A beleza e a beleza comum), que faz parte de uma trilogia do dramaturgo americano Neil LaBute, considerado um dos principais autores do teatro contemporâneo.

A peça é uma crítica ao padrão de beleza vigente e o que esse padrão provoca de sofrimento e angústia. Mas o que me chamou atenção, foi o fato de todo o conflito girar em torno da angústia de Steph (representada por Ingrid), pelo fato do seu namorado ter lhe achado “apenas um rosto comum”. Steph fica transtornada e termina a relação, uma vez que ser comum, é um adjetivo insuportável para qualquer mulher.

Ainda assistindo a bela entrevista de Ingrid, concordei com ela quando disse que, quem não nasce bonita, tem que correr atrás de muitas coisas: talento, simpatia, carisma, humor, para poder assim competir com a beleza, que na maioria das vezes por si só não basta. Mas ando pensando se não basta.

Nos dias atuais, e talvez nos outros também, constato que, a distância de quem é bonita pra quem é linda, é imensa. Bonitos todos somos de alguma maneira. Mas, quem é linda, ah! Sim, quem é linda congela tudo por onde passa – que o diga a Garota de Ipanema. As pessoas ficam hipnotizadas e não conseguem olhar mais nada. Os homens então…emburrecem e se abestalham. As mulheres fingem que não se afetam, mas tropeçam ou ficam com aquele ar falso de paisagem. E as pessoas lindas sabem/usam muito bem esse poder extremo que é o poder da beleza. Mesmo que estejam sempre fazendo que ignoram tal poder, e tem sempre aquele ar blazé insuportável de quem está num pedestal, acima do bem e do mal. Sabe do poder da beleza e do quão paralisante ela pode ser. Vejo na grande mídia quando se fala da própria Gisele, de Luana Piovani, de Camila Pitanga, Maria Fernanda Cândido, logo logo só se fala da beleza dessas mulheres, não importando muito o quão talentosas ou extraordinárias possam ser. Assistindo Saia Justa (meu programa favorito), também vejo como a beleza de Maria Fernanda incomoda, e como as outras participantes estão sempre a soltar alguma pilhéria, ou gota perspicaz de competição ou até mesmo inveja.

Na peça de Ingrid, ser chamada de beleza comum é uma blasfêmia. Num mundo de aparências e de cultos à efemeridade, todos queremos ser Super Bonitas! Comuns? Jamais.

Precisaria ler História da Beleza e História da Feiura de Umberto Eco para maiores passeios pelo tema, mas agora, quando for dizer que alguém tem o rosto ou a vida comum, terei mais cuidado. Pois nos tempos de Modernidades Líquidas, todos queremos ser sólidos, mesmo que nos desmanchemos no ar….

Sei que misturei beleza comum, pessoa comum, vida comum, mas no fundo, ou no raso…tudo está interligado, e a palavra comum – ordinary em inglês, não nos faz feliz, mesmo que percorrer padrões de beleza/ou estilos de vida extraordinários inalcançáveis, seja perda de tempo. Talvez, aquela mulher do começo da estória, viva bem mais feliz e realizada, com: sua beleza comum, sua vida comum e sua personalidade comum, do que nós pobres mortais, que queremos a todo custo, ser extraordinários.

Beleza Pura!

Ana Adelaide Peixoto – 5 de novembro, 2012



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