Geral

BALANCÊ


27/06/2012



Para Genilda e Dodora, amigas queridas, aniversariantes do dia, e com certeza, dançarinas do salão!

O Baile, obra-prima do cinema mundial, de 1983, obra prima de Ettore Scola, é um filme que opta por nos mostrar épocas distintas da história social, política e econômica da França fazendo uso, somente, da encenação tipicamente teatral, a partir da linguagem dos signos, ou seja, da percepção de gestos, vestuário, cenários, rituais e música, e assim, fazer uma leitura de um momento das pessoas individualmente e da sociedade em geral.

Através de outros filmes, que tem seja a dança ou a música como personagem/tema principal, também é possível fazer leituras de momentos e/ou transformações pessoais, grupais, de uma cidade, enfim…Claro que, nem sempre com o talento de Scola, mas filmes que nos levam a pensar que, dançar pode ser também, e quase sempre o é, um microcosmo do nosso universo circundante. Filmes como: Baila Comigo, Dança Comigo, Billy Eliot, A música da vida, Flashdance (guardando as devidas proporções e limitações) sempre representam, através de suas nuances, seus dilemas, suas sombras e mesquinharias igualmente, nossa natureza humana e o mundo que nos cerca. E mais, filmes que ressaltam como a dança tem um poder transformador e de superação nas pessoas, no contexto, e em tudo o que lhe é/ ou não, estranho.

Mas, Nem só de twist e valsa vive um grupo, mas também de alegorias, passos marcantes, tropeços, para nenhum Cisne Negro botar defeito. Pronto, outro filme para se ver a vaidade, a (im)perfeição, a obstinação, o poder, e os desfechos assim criados, na luz ou na escuridão….

Pois foi com esse espírito de observadora intuitiva que fui num forró. Era visita e não estava lá para matuta autêntica. Sentei, tomei uma cerveja, um amendoim, um queijinho assado, um arraiá, bandeirolas, balões, um conjunto de forró arretado, todo mundo animado, quadrilha, homens , mulheres, crianças, e Alanvantúrrrrrrrrrr.

Antes de também fazer parte da roda, eis que lá estava a flertar com os tipos dançarinos.

Passou aquele casal entrosado, no ritmo, bate coxa sincronizado, uma pegada segura, a moça de shorts e botas, e lá iam rodopiando pelo salão, fazendo inveja a todos os aquietados nas suas cadeiras. O poder de um casal assim, é claro e translúcido. Naquele momento, não se fala mais em política ou quaisquer outro assunto, a exuberância da dança, dos corpos colados, tomam conta, literalmente do salão.

E aquele casal mais velho, também serpenteando o espaço, via-se logo que eram dançarinos ocasionais. Não tinham nenhum pudor de atravessar o salão, curtindo São João e o arrasta pé, no ritmo que sabiam, não tão delícia para alguns talvez, mas era o que sabiam e praticavam, e com aqueles passos possíveis, deslizavam na vida a dois;

E toda festa que se preze tem um bebum. Lá vinha ele meio trôpego, e vestido de matuto então….,com sua companheira com a cara pastel, pois já não devia ter muita paciência para aquelas piadas repetidas: reclamava das “véias” no salão, e se gabava que já tinha a dele. Basta! Era sempre motivo de alegria e meio gozação. Engraçado como tem figuras que são sempre o bobo da corte, com total sapiência e confirmação do papel…e felizes seguem, dançando;

Vejo uns gajos perfeitos no rebolado. Estou a pensar em Portugal… Acho que foram contratados para dançar com as solitárias. Ai Ai! Já já tiro um para dançar o tal do miudinho. Mas, quem disse que tem vaga? As mulheres dançam! Os homens, precisam de alguns goles, ou muitos, para se lançarem nessa experiência orgástica e orgânica que é a dança. Qualquer uma. Vivo a dizer para meus filhos: “Dancem! As mulheres gostam de homens dançantes”. Mas aí tem outro problema: os que dançam, por vezes dão mais trabalho…Pois estão sempre a querer trocar de par….E fico a refletir porque os homens tem mais dificuldade de entrar em contato com o corpo. Sei que, historicamente tem a repressão, o machismo, mas sei também que desde Elvis que o homem passou a rebolar sem comprometer sua virilidade. Mas dançar, exige mais que isso; dançar exige humildade, de entrar em contato com o outro e se deixar levar. E aí precisa ser muito Zeca Pagodinho para sentir a música, os acordes, equilibrar-se na corda bamba da subjetividade do outro, deixar o outro conduzir, conduzir, fazer pausas, arrochar, e ter um molejo e a malemolência, que confesso não ser para todos. Enfim…preciso ver O Baile novamente.

Nisso, quando dou por mim, já estou em pé, requebrando o esqueleto. E junto com algumas mulheres também solitárias e inquietas, não tempos pudor de dançar forró sozinhas. Mas, forró, taí! É uma dança para ser dançada a dois! Precisa-se do matuto. Do caboclo! Do par! Tem que ter a mão, o pião, a cintura marcada, o remelexo. E, como sou do rock e do twist and shout! Aprendi a descomplicar os passos Satisfaction e improvisar o arrasta pé balancê.

Ops, lá vem a moça da casa. Toda prosa. Vem vestida de matuta fake, ou estilizada, dança e dança com seu par, demarcando seu espaço no salão e na vida. De relance, avistei uma vizinha de mesa que, com o olho comprido, procurava um defeito no seu vestido estampado, ou não seria no seu remelexo que a cada nota de Flávio José, se desdobrava em pulinhos e saltinhos, e que, com graça e atitude, o parceiro fazia Ah! Suspirando sustenido!

E entre um amendoim e um gole da gelada, me divertia em apreciar o salão, os tipos, as graças, os troncos e os barrancos. E pensava nos filmes, nas músicas, nos passos, e de como um Arraiá, pode sim, ser uma vida representada. Ou não.

Balancê!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa 25, Junho 2012



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