Política

Aras quer criar órgão com acesso a dados da Polícia Federal e MPF

Unidade daria superpoderes a Augusto Aras, uma vez que centralizaria em Brasília informações, inclusive sigilosas, sobre operações da PF e do Ministério Público Federal


30/06/2020

Procurador-geral da República, Augusto Aras

Valor Econômico



Tramita no Conselho Superior do Ministério Publico Federal um anteprojeto para a criação de uma Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado que teria acesso aos bancos de dados de todas as investigações em curso na corporação e estaria subordinada diretamente ao Procurador-Geral da República.

A criação desta unidade, que daria superpoderes ao procurador-geral Augusto Aras, é questionada internamente pela corporação com base na independência funcional garantida aos procuradores pela Constituição. O anteprojeto é de autoria de dois procuradores federais, José Adonis Callou de Araújo Sá e Hindemburgo Chateubriand Filho, sendo este último muito próximo do PGR.

Da mesma maneira que os ofícios expedidos às forças-tarefas do MP, a requisição de dados é fundamentada na Lei Complementar 75, de 1993, e na portaria 44, de 2013, que atribuem à Procuradoria-Geral da República e à Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, diretamente subordinada ao gabinete de Aras, o armazenamento de dados sigilosos da corporação.

O anteprojeto enfrenta resistências não apenas dos integrantes das forças-tarefas como da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR). Além da hierarquização do MPF, não albergada pela Constituição, pesa contra o texto o argumento de que muitas das informações à disposição dos procuradores, como quebras de sigilo bancário e telefônico, além das operações de busca e apreensão, são obtidas por meio de autorizações judiciais relativas a casos específicos. Ao serem compartilhadas na PGR, essas informações se prestariam a usos não chancelados pelo judiciário.

O interesse de Aras na centralização de informações, expresso tanto nos ofícios enviados recentemente às forças-tarefas quanto no anteprojeto, tem sido relacionado à atuação da Lava-Jato de Curitiba e, mais especificamente, ao desempenho do ex-juiz da operação e ex-ministro da Justiça, Sergio Moro.

Ao fazê-lo, o PGR, na visão de procuradores que se sentem cerceados, busca angariar apoio tanto do Congresso quanto do Supremo em relação a uma operação cujos excessos se tornaram consensuais, e, principalmente do presidente da República, alvejado por seu ex-ministro na denúncia que acabou levando à investigação sobre a reunião ministerial de 22 de abril.

O temor, no entanto, é de que Aras esteja a mirar, na verdade, a Lava-Jato no Rio para satisfazer o interesse do Executivo em controlar as investigações relativas à família do presidente Jair Bolsonaro.

Os defensores do anteprojeto alegam que a investigação hoje é conduzida pelo Ministério Público Estadual do Rio estando, portanto, fora do alcance do MPF. Acontece que foram as investigações da força-tarefa da Lava-Jato conduzida pelos procuradores federais do Rio que originaram a operação responsável pela identificação do esquema da rachadinha no gabinete do então deputado estadual, hoje senador Flávio Bolsonaro.

Ainda que o MPE tenha avançado na investigação nascida no MPF, o banco de dados dos procuradores federais pode sugerir os caminhos e os atalhos tomados pela investigação. Além disso, o MPF faz o controle externo da Polícia Federal e concentra informações sobre delegados que vazam informações e cometem desvios nas investigações. Está no Rio também aquela que talvez é considerada a maior base de dados sobre doleiros do Brasil. Foi de lá que se originou a operação que prendeu Dario Messer, o maior doleiro da América Latina.

Esta Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado já foi tentada pelo ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que buscou viabilizá-la, sem sucesso, por meio de um projeto de lei. Chegou a ser anunciada num encontro de procuradores sob a alcunha de “Procuradoria Nacional Anticorrupção”.

A ideia, que chegou a ter apoio de muitos procuradores, pela possibilidade de compartilhamento de dados e troca de experiências, acabou sendo vista como um potencial manancial de dossiês a ser usado por inimigos dos poderosos de plantão.

Ao tentar fazê-lo por meio de uma resolução interna, Aras até pode driblar eventuais dificuldades que esta unidade enfrentaria no Congresso, mas não tem caminho aberto no Conselho Superior do Ministério Público, instância pela qual o anteprojeto tramita.

São dez os integrantes do Conselho. Além do PGR e do vice-PGR, o integram quatro conselheiros escolhidos pelos 74 sub-procuradores da República e outros quatro escolhidos pelos 1.152 integrantes do Ministério Público Federal.

Hoje há equilíbrio de forças dentro do Conselho. Na semana passada o PGR foi derrotado em sua tentativa de desempatar o placar, mas perdeu com a reeleição de Nicolao Dino e com a escolha de Mario Bonsaglia, ambos integrantes da lista tríplice da ANPR desprezada pelo presidente da República no processo que resultou na escolha de Aras.

Nesta terça, mais duas vagas serão renovadas. Os atuais ocupantes (Hindemburgo Chateaubriand e Maria Caetana) são candidatos à reeleição, mas um terceiro candidato, José Bonifácio de Andrada, menos alinhado, corre por fora.

Esta não é a primeira atitude de Aras no sentido de ter mais controle sobre a corporação. Aliás, trata-se de uma promessa de sua anticampanha ao cargo. De fora da lista tríplice, foi na pregação da “unidade da corporação” que o PGR cativou a confiança do presidente.

No início da pandemia, o PGR expediu um ofício aos ministérios para que todos os requerimentos de informações do MPF fossem redirecionados para seu gabinete. A justificativa alegada, à época, foi a de que a interpelação dos ministros é atribuição do PGR e que os requerimentos burlavam essa restrição com o endereçamento aos secretários executivos das Pastas.

Na linha da aproximação com o Executivo, Aras também exonerou Daniel Azeredo da coordenação da 4ª Câmara do MPF. O procurador, responsável por processos ambientais premiados, foi substituído por Juliano Baiocchi, colega com 30 anos de carreira e afinidades familiares com o agronegócio.

Interlocutores do PGR veem na sua atuação uma resposta mais as suas convicções pessoais do que a qualquer tentativa de aproximação do presidente. O argumento abrange o inquérito dos atos democráticos que prendeu aliados do presidente e esvaziou atos de rua. O interesse de Bolsonaro em se aproximar de Aras, na visão desses interlocutores, se expressou na visita feita pelo presidente à PGR.

Ninguém, no entanto, nega a ambição de Aras de vir a ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, das duas a serem nominadas por Bolsonaro. É em torno do preenchimento dessas vagas que o presidente tem buscado compor a retaguarda do seu mandato. Nenhum dos inquéritos em curso no STF poderá ir adiante se não contar com a disposição de Aras em denunciar o presidente da República.



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