Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Religião

Dom Hélder Câmara, o pregador da paz


29/03/2024

Exatamente cem anos atrás, ingressava no Seminário Diocesano de Fortaleza, conhecido como o Seminário de Prainha, aquele que viria a ser um dos mais importantes líderes religiosos da Igreja Católica Apostólica Romana, reconhecido mundialmente por sua firme e corajosa posição política contra a ditadura militar, instalada pelo Golpe de 1964, e em defesa dos Direitos Humanos. Pregava uma igreja para os pobres e a não-violência. Um dos expoentes da ala progressista da Igreja Católica. O brasileiro mais vezes indicado para o Prêmio Nobel da Paz, por quatro anos consecutivos, sendo preterido por figuras obscuras que integravam o então regime de força vigente no país. Seu nome foi proibido de ser citado pela imprensa brasileira.

Pouca gente tem conhecimento de que logo após ter se ordenado sacerdote, participou do movimento político nacionalista Ação Integralista Brasileira, na época uma versão nacional do fascismo, que tinha como lema “Deus, Pátria e Família”, (lembra algo?) tendo recebido uma formação que se colocava radicalmente contra o Iluminismo, a Revolução Francesa e o comunismo.

Logo se afastou do integralismo e, nomeado Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro, na década de 50, passou a se dedicar às obras sociais, atendendo moradores das favelas cariocas, fundando, inclusive, o Banco da Providência, que destinava doações e microcrédito a famílias de baixa renda.

Dezenove dias antes do Golpe de 1964, assumiu o Arcebispado de Olinda e Recife. Reagiu imediatamente ao ato de ruptura democrática e divulgou um manifesto apoiando a ação católica operária da capital pernambucana. A partir de então percorreu o mundo denunciando as torturas e as múltiplas violências de opressão ao ser humano, praticadas pela ditadura. Por isso foi acusado de demagogo e de comunista, recebendo, inclusive, o apelido de “bispo vermelho”, ao lado de Dom José Maria Pires e Dom Fragoso. Foi um dos fundadores da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Abriu o Instituto de Teologia do Recife, com uma metodologia revolucionária na formação dos futuros padres da Igreja Católica, inspirada no espírito do Concílio Vaticano II. Idealizou e liderou vários movimentos em favor da cidadania, tais como a Comissão da Justiça e Paz, a Operação Esperança, as Pastorais e a Campanha Ano 2000 Sem Miséria (1990).

Uma de suas frases célebres incomodou muita gente naquele tempo sombrio de nossa história, e continua a incomodar tantos outros contemporâneos que se dão ao direito de classificar ideologicamente quem defende o bem comum. “Quando eu dou de comer aos pobres, me chamam de santo. Quando eu pergunto por que eles são pobres, me chamam de comunista”. Foi assim chamado porque se aproximava do povo marginalizado, pobre e condenado a viver na miséria. O Papa Francisco acompanhando o pensamento de Dom Hélder afirma: “Defender e lutar pelo bem comum não é ser comunista… É ser cristão”. João Paulo II o chamava de “irmão dos pobres e meu irmão”.

Foi um gigante na defesa dos oprimidos. Um místico. Era esperança para os aflitos. Autor de diversos livros, a maioria ensaios e reflexões sobre a Igreja e o Terceiro Mundo, Dom Helder Camara também recebeu 32 títulos de Doutor Honoris Causa de universidades de todo o mundo, além de diversos prêmios e distinções.

Assim como Gandhi e Luther King, é tido como símbolo mundial da paz e da justiça social. Um exemplo de dignidade e humildade. Sua voz se fez ouvir pelos quatros cantos do planeta, deixando um legado de coragem ao ensinar que todo cristão deve se comprometer com a construção de uma sociedade solidária. Sua mensagem permanece atual. Há uma frase dele que nos convoca sempre à luta de forma conjunta: “Quando sonhamos juntos é o começo da realidade!”. Se agirmos assim, os autocratas e os vocacionados para a tirania nunca vencerão os que sonham juntos.


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