Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Geral

O meu lugar


18/11/2023

Foto: autor desconhecido.

Eu deveria ter menos de dez anos de idade, quando o posto de gasolina que funcionava na descida para a Lagoa pegou fogo, uma coisa assustadora numa época em que não se tinha conhecimento de causa para dimensionar as consequências de um fato dessa natureza.

Lembro vagamente que alguém sugeriu e todos começaram a descer na direção do Baixo Roger, na tentativa de escapar da grande explosão que fatalmente ocorreria quando as chamas saíssem do controle, o que, felizmente, não ocorreu.

Bom, fora esse incidente, lembro de ter estado presente em dois outros de maior gravidade. O primeiro em Recife, com o rio que passou em minha vida e arrastou tudo que encontrou no caminho.

Eu morava então numa pensão na rua da Aurora e nada pude fazer a não ser antecipar a minha volta para João Pessoa.

O segundo, muitos anos mais tarde, foi em Santiago do Chile, quando descemos do avião eu com a namorada e Carlos Trigueiro com Ângela, e fomos surpreendidos com um terremoto.
Afora isso, não lembro de ter assistido situações de calamidade como as que estamos vivenciando nas últimas semanas em quase todas as regiões do país, por conta do clima e da sua imprevisibilidade.

Com isso, a água que falta no norte, sobra no sul, e o vento que sopra no leste, derruba árvores e fios, semeando o caos e espalhando a escuridão.

O efeito é devastador e o calor da moléstia e da gota serena pede passagem destruindo vidas e plantações.

É bem verdade que estamos sendo poupados, por enquanto dos temporais, mas a região há muitos anos paga o preço de uma seca que é quase a marca de uma gente sofrida que não tem onde plantar.

E que em nada contribuiu, em todas essas décadas, com o desmatamento e tantas outras agressões contra a natureza, que agora parece querer devolver com juros e correção monetária, todo o mal que lhe foi feito.

Enquanto isso, não param de se multiplicar recordes que não interessam a ninguém. É dia mais quente em cima de dia mais quente, como se não existissem limites para cima ou até mesmo para baixo.

Um impasse que esbarra na falta de conhecimento e também na falta de respeito com a própria vida, como aconteceu com a fã de Taylor Swift que morreu com o seu sonho e comoveu a todos.

Uma menina de vinte e poucos anos, que também foi vítima desse clima e da morte súbita que não está conseguindo distinguir nem mesmo quem está na hora de partir.

Curiosamente, estou escrevendo esse texto entre dois ventiladores que não dão conta de todo esse mormaço que sinto em mim, e que aflora a minha mortalidade posta à prova num incêndio, num temporal e num terremoto.

A maior diferença, sem dúvida, está na idade. Na infância e sua ingenuidade quando houve o incêndio do posto, na adolescência irresponsável que via no rio a vida em movimento e na maturidade que comparou o terremoto a uma prova de amor com a namorada bem mais jovem.

Hoje, vejo todo esse problema do clima como um legado. A infância se foi, o rio é palco do velho que eu filmei e no tremor parece ter o dedo de Deus.

O tremor do frio de quem não tem onde morar, da febre que não tem como passar e até da ganância de quem não tem como pagar e sucumbe à tentação do pecado.

De minha parte, achei que já tinha vivido tudo, mas acho que estamos apenas engatinhando no tempo sem choro e nem vela.

E enquanto isso, chove lá fora.


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