Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Notícias

A produção cultural brasileira no exílio


30/07/2023

Foto: Artistas protestam contra a Ditadura Militar -Tônia Carreiro, Eva Wilma, Odete Lara, Norma Bengell e Cacilda Becker

Houve um tempo no Brasil, não tão distante, que muitos compatriotas experimentaram as amarguras do exílio, a desagradável sensação de estar fora de casa. A perseguição política provocou a maior diáspora da história nacional. Alguns de forma voluntária, outros por punição, expulsos do país por se posicionarem contra o regime ditatorial instalado pelo golpe de 1964. As estimativas sobre exilados durante a ditadura militar variam entre 5 mil e 10 mil. Mas todos, sem exceção, ainda que vivendo uma situação de sofrimento, jamais abandonaram o pensamento crítico independente. Na distância da terra natal que os fazia sentirem-se estrangeiros, a todo instante, exaltavam a memória da pátria. Alguns dos desterrados jamais retornaram.

A escritora Lya Luft, em quatro dos seus romances, define que existe duas maneiras de compreender o “exílio”: o exílio como punição política contemporânea, ligada diretamente ao nacionalismo e às guerras e desavenças por ele provocadas, e o exílio como um estado subjetivo do ser, um estado espiritual de solidão, de incompreensão num meio estranho, de isolamento e deslocamento”. A dor da separação parece inspirar manifestações nostálgicas e românticas, provocadas por motivações controversas, a despeito da raiva, vergonha e humilhação a que o exilado esteja sendo submetido. O passado evocando muitas lembranças e produzindo a cultura do exílio, revelando autores, artistas e pensadores que registraram experiências vividas no degredo. Intelectuais exilados que colocaram nas páginas literárias e obras culturais, emoções, sonhos, desilusões, memórias e reminiscências do seu país.

O mais famoso poema de Gonçalves Dias, “Canção do Exilio”, escrito em julho de 1843, quando estava estudando Direito na Universidade de Coimbra, em Portugal, trata do tema. Com saudades de seu país, sentia-se exilado. Na última estrofe, o poeta expressa o seu desejo de regressar: “Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá;”. Publicado na sua obra literária “Primeiros Cantos”, em 1857, na primeira fase do Romantismo Brasileiro.

Grande parte das poesias de Ferreira Gullar foi escrita durante seu exílio no Chile, Peru e na Argentina, onde ficou até 1977. Nelas denunciava a incivil realidade social e política brasileira da época, assumindo o compromisso moral de lutar contra as injustiças sociais e a opressão. Tentando explicar a mensagem contida no “Poema Sujo”, ele assim se expressou: ”Na verdade, o poema não é político, mas um resgate do eu que havia vivido até então. É claro que tem a minha infância, tem São Luís… O poema vai resgatar toda a minha experiência de vida, na medida do possível, mas ele é na realidade reflexão sobre aquelas coisas. Ele não é simplesmente ‘ai que saudade que eu tenho da aurora da minha vida’… É uma reinvenção da própria vida. Uma coisa é você ter vivido, e outra coisa é você refletir sobre o que você viveu”.

No cenário musical e artístico brasileiro nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Cacá Diegues, Taiguara, Nara Leão e Augusto Boal se exilaram para escapar da perseguição do regime militar. Esses artistas exilados, paradoxalmente, se reinventaram e conquistaram prestígio internacional, como se vivessem um renascimento artístico no exterior. Souberam aproveitar a oportunidade, ainda que indesejada, do recomeço e da transformação. Apesar dos naturais traumatismos, o exílio foi, concomitantemente, um fator preponderante de enriquecimento cultural. Uma carga emotiva que inspirou a literatura do exílio. Expatriados, buscaram reproduzir nas suas obras musicais e artísticas, o país natal, paisagem, povo, comida, ritmos, a brasilidade pulsante em suas veias. E assim reconstruíam seus vínculos com a terra natal, sem estarem presos ao controle ideológico do sistema.

A música se transformou em um símbolo de resistência para os exilados. As canções escritas por brasileiros no exílio incentivavam as pessoas a reagirem contra à repressão.


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