Política

‘Bolsonaro e o Nordeste’, por Éder Dantas


08/10/2022

Portal WSCOM



*Éder Dantas

Neste dia 8 de outubro, consagrado ao Dia do Nordestino, teríamos muito a falar sobre a importância da região Nordeste, seus habitantes e sua cultura, mas uma coisa merece destaque no atual momento: a polêmica da semana, envolvendo o Presidente Jair Bolsonaro e os eleitores da região.

O presidente relacionou as altas taxas de analfabetismo na região Nordeste com a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região. O presidente responsabilizou os governos do Partido dos Trabalhadores – PT pelos índices de analfabetismo e dados econômicos “inferiores” na região. Segundo ele, aonde a esquerda entra, “leva o analfabetismo, leva a falta de cultura, leva o desemprego, leva a falta de esperança”, o atraso para o povo. Não foi a primeira vez que ele ataca o povo desta região.

O Presidente da República reproduz discurso recorrente sobre um Nordeste atrasado, uma espécie de “fardo” que o país carregaria nas costas. Este discurso não se sustenta, se a ele forem agregados dados estatísticos e a análise da história recente da região. Vamos a alguns fatos:
Até meados do século XX, fomos uma região marcada por um profundo atraso econômico e social, fruto do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo brasileiro e sobretudo da concentração da terra e do poder dos “coronéis”, através da tríade “coronelismo, enxada e voto”, título de um famoso livro do escritor Vítor Nunes Leal. Porém, muita coisa mudou de lá para cá.

Em 1959, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE foi criada por iniciativa do presidente Juscelino Kubitschek e teve como um dos seus idealizadores e gestores o economista paraibano Celso Furtado. A SUDENE, cuja política de industrialização via incentivos fiscais ganhou força no governo João Goulart e até mesmo nos governos militares, contribuiu para diversificar a economia regional e mudar a estrutura econômica da região.

No ano de 1963, o educador pernambucano Paulo Freire testou seu método de alfabetização de adultos na cidade de Angicos, no interior do Rio Grande do Norte. Em 40 horas, ele alfabetizou cerca de 300 trabalhadores rurais que antes não sabiam ler nem escrever, acompanhado de estudantes universitários que ajudaram seu inovador processo de alfabetização, baseado na leitura da palavra, precedida de uma leitura do mundo. A experiência de Paulo Freire, embora rejeitada pelas elites regionais, ganhou o Nordeste e, depois, espalhou-se pelo mundo, com reflexos na vida politica e cultural.

As Ligas Camponesas também ajudaram a mudar o Nordeste. Elas foram associações de trabalhadores rurais que exerceram intensa atividade no período que se estendeu de 1955 até a queda de João Goulart em 1964. Uma das mais importantes delas foi a Liga Camponesa de Sapé, na Paraíba, Apesar de não ter conseguido avançar, como desejado, na luta pela democratização do acesso à terra, as Ligas foram um exemplo de organização e mobilização, influenciando os movimentos sociais até hoje.
Já o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o REUNI, foi um programa instituído pelo Governo Federal através em 2007 e que proporcionou a expansão do ensino superior, da pesquisa e da extensão em todo o país, notadamente na região nordestina. Novos campi foram criados nas mais diversas localidades, beneficiando do litoral ao sertão, levando alternativas no campo da ciência, da tecnologia e políticas sociais para o desenvolvimento das comunidades.

Estes exemplos históricos de fatos que influenciaram a região são fundamentais para a gente compreender que o Nordeste não é mais o mesmo, com um povo submisso, dependente e “inculto”, como alguns pensam e faz crer o ocupante do Palácio do Planalto. Como decorrência destes e de outros processos, a exemplo do aumento do acesso à água, à atenção básica à saúde, à moradia, assistência social e ao crédito rural, em especial nos governos petistas, a região tem mudado e se tornado um pólo cada vez mais dinâmico, no contexto de um país ainda muito desigual.

No campo da educação, inclusive, o Nordeste tem se destacado. Exemplos como o bom desempenho do ensino médio público de Pernambuco, da alfabetização e do ensino fundamental 1 e 2 do Ceará e a performance da rede estadual de ensino da Paraíba no ensino remoto emergencial durante a pandemia da Covid19 são referência nacional, segundo importantes instituições avaliadoras, como o Movimento Todos pela Educação e a Fundação Getúlio Vargas.

Nos últimos três decênios, nossos estados estiveram entre os que mais cresceram economicamente. Seu povo tem ganho independência, autonomia, apesar de enfrentar problemas históricos. Durante décadas, por exemplo, os governantes contavam com a dependência dos eleitores nordestinos para ganhar eleições. No primeiro turno do pleito desse ano, todavia, ocorreu o oposto. Nos nove estados da região, o governo federal foi derrotado, apesar da distribuição de benesses às vésperas do pleito, como o aumento do Auxílio Brasil até o fim de 2022.

A fala do Presidente da República parece mais o discurso de um derrotado, a procura de uma desculpa pelo seu infortúnio eleitoral, impulsionado principalmente pelos eleitores dos nove estados da região.
Conhecido por sua força cultural, o Nordeste e seus eleitores deram um retumbante não ao presidente no último domingo, preferindo o ex-presidente Lula, num gesto de autonomia política. Como pode ser chamado de ignorante ou inculto um eleitor que opta por um candidato de oposição, apesar da farta distribuição de vantagens governamentais às vésperas do pleito? O eleitor nordestino deu, na verdade, um exemplo de altivez, servindo de exemplo para as pessoas de outras regiões do país.
Respeite o Nordeste, Jair!

*Professor do Centro de Educação da UFPB


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