Paulo Amilton

Doutor em Economia.

Economia

Reforma Administrativa e a desigualdade no Brasil


11/09/2020

Na imagem, o chefe do Departamento de Economia da UFPB, Paulo Amilton

No dia primeiro de setembro do corrente ano o IBGE divulgou o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo semestre. O número divulgado foi bem ruim, queda de 11,4% quando comparado ao segundo trimestre de 2019 e 9,7% quando a comparação é feita com o primeiro trimestre deste ano.

Com aquela divulgação, várias vozes se levantaram para que reformas que contribuam com a diminuição do déficit público fossem discutidas no congresso e implementadas pelo governo. Entre estas reformas se destacam a reforma tributária, que já tinha sido enviada pelo atual governo, e a reforma administrativa, que teve sua primeira parte enviada ao congresso na semana que passou.

A ideia básica da reforma administrativa é controlar os gastos com a folha salarial dos servidores públicos. Argumenta-se que em 2019 foram desembolsados R$928 bilhões para pagar os servidores públicos federais, estaduais e municipais, o equivalente a 13,7% do PIB. Asseguram que este percentual de gastos é maior do que o despendido em saúde, que representa 3,6% do PIB, e educação, com 6% do PIB.

Outra estatística fornecida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) assegura que os salários médios pagos aos servidores públicos, principalmente os servidores públicos federais é, em média, 109,83% maiores do que seu equivalente no setor privado. Segundo esses dados, um assistente administrativo no setor público brasileiro recebeu em 2019 aproximadamente R$3.359,90 e seu equivalente na iniciativa privada 1.680,50, uma diferença de 82,5%. Já um auxiliar de escritório no setor público fez jus a um salário de 3.242,54 e seu companheiro de trabalho no setor privado 1.640,43, uma diferença e 97,66%.  Argumenta, ainda, que a produtividade do servidor público é menor do que sua contraparte no setor privado. Sendo assim, advogam uma reforma que corrija essas distorções.

Atendendo a esses reclames, o atual governo enviou a primeira parte de uma proposta de reforma administrativa que tem por objetivo reduzir o número de carreiras no setor público, a restrição do direito à estabilidade, concentrando apenas nas carreiras consideradas de Estado, diminuição salarial no início da carreira do servidor e incentivos ao aumento de produtividade. No entanto, deixa de fora várias categorias, tais como juízes, militares, membros do ministério público e legislativo, ou seja, a elite dos servidores públicos.

Utilizasse a média salarial para justificar a proposta. Esta medida não é boa para fazer comparações, dado que ela é refém de valores extremos. Admita uma sequência de dez números, sendo os nove primeiros um e o último dez, e a média fosse a medida que representasse os dez elementos desta amostra. Certamente não seria uma boa representação, dado que a média se aproximará do número dez ao invés do valor um. Uma medida melhor para representar a amostra seria a mediana, pois como medida que indica posição não sofre influência dos valores extremos. No nosso exemplo a mediana seria 1, ou seja, o número que espelha melhor a amostra.

O quantitativo de funcionários públicos no Brasil em 2019 era 9,77 milhões, que representam 21% da postos formais existentes no país. Admitindo que esta seria a amostra a ser estudada, veríamos que a média dos salários não é uma boa medida que a represente. Tomando a variável salário e o quantil noventa, aquele que representa os melhores salários da amostra, verificamos que não vai haver modificação nenhuma com a reforma, pois são justamente os servidores que ficaram de fora, ou seja, os juízes, desembargadores, membros do ministério público e legislativo. Estes representam os melhores salários e o maior quantitativo de gastos, mas não são numerosos.

 

O que mais caracteriza a sociedade brasileira é sua obscena desigualdade. Em todos os campos que se observa existe desigualdade, cuja mãe é a desigualdade de oportunidades na origem da vida de qualquer brasileiro, ou seja, na primeira infância. Os cidadãos partem com a noção de que alguns terem privilégios em detrimentos de outros é natural. Alguns acham até que ostentarem privilégios é um direito divino, já que o cidadão já nasceu numa família que herdou privilégios. Ou seja, foi Deus que o escolheu para desfrutar de uma vida melhor.

Para exemplificar isto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) concedeu, de forma liminar, um funcionário a um desembargador de São Paulo para que o mesmo o auxilie em sua casa. E não é um funcionário público qualquer. Tem que ser um que já tenha desenvolvido imunidade ao Covid-19. Ou seja, é uma pessoa que tem a mais absoluta certeza que seu trabalho é mais importante do que qualquer outro e que este o faz merecedor de uma auxiliar para digitar suas sentenças porque ele não pode fazer isto por si só.

A reforma administrativa proposta só aumenta isto ao excluir a elite do funcionalismo público. Ela é mais do que necessária, dado que parte dos recursos públicos que poderiam ser investidos em áreas com maior perspectivas para a sociedade brasileira. Porém, não pode ser mais um instrumento para a aumento das desigualdades na sociedade brasileira.


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