Esporte

Autor de protesto icônico nas Olimpíadas reforça “grito de liberdade”

Campeão nos 200m nos Jogos de 1968 e eternizado com protesto no pódio, Tommie Smith elogia movimento atual de atletas em busca de direitos iguais e contra o racismo.


14/06/2020

Em foto de 2018, Tommie Smith repete gesto que marcou a conquista em 1968 — Foto: REUTERS/Emma Thomasson

Globoesporte.com



Os pés, protegidos por meias pretas, mas sem nenhum calçado, remetiam à pobreza. A mão direita, erguida, cerrada e coberta por uma luva também preta, gritava a força de um movimento. Ao subir ao pódio olímpico na Cidade do México logo após vencer os 200m nos Jogos de 1968, Tommie Smith queria passar uma mensagem clara, mas não esperava que o gesto ficasse marcado como um dos protestos mais significativos da história do esporte. Ao lado do amigo John Carlos, terceiro colocado na mesma prova, Smith queria dar um “grito de liberdade”. Ali, mesmo com o ouro olímpico, praticamente encerrava sua carreira nas pistas, mas se eternizava.

Tommie Smith, hoje aos 76 anos, vive na Geórgia, após uma longa carreira como professor em duas faculdades, na Califórnia e em Ohio. Quase nunca fala publicamente, mas, em meio aos protestos pela morte de George Floyd e à discussão sobre manifestações políticas no esporte, aceitou falar com o jornal “The New York Times”. Para ele, ainda há muito a ser feito na luta por direitos iguais e contra o racismo. O ex-atleta cita o protesto de Colin Kaepernick, na NFL, como exemplo.

Peter Norman, Tommie Smith e John Carlos no pódio na Cidade do México, em 1968 — Foto: John Dominis/The LIFE Picture Collection via Getty Images

Peter Norman, Tommie Smith e John Carlos no pódio na Cidade do México, em 1968 — Foto: John Dominis/The LIFE Picture Collection via Getty Images

 

– Eu disse quando vi pela primeira vez: “Oh, meu Deus, este jovem vai ter um monte de câmeras em sua cara cedo ou tarde. E lá estava, essa privação de direitos, essa “ele está desonrando a bandeira, ele não está fazendo seu trabalho no campo”. Mas ele estava apenas dizendo o que eu já havia dito anos antes. Eu disse, meu Deus, isso continua a acontecer. Isso continua, mas ainda temos de lutar. Não podemos parar.

O ex-atleta diz que não esperava que seu gesto repercutisse tanto por tantos anos. Mas disse que seu protesto abriu o caminho para que outros atletas conseguissem, também, protestar.

– Cada pessoa que viu tinha uma explicação própria sobre o porquê disso ser feito. Você pode ver claramente agora por quê esse movimento teve de ser feito, por quê era mais do que Tommie Smith naquela posição de vitória. Tudo o que fiz foi ficar parado com o punho no ar. Foi um pedido de liberdade. E agora as pessoas estão começando a levantar o punho direito por vários motivos, mas agora têm a liberdade de fazê-lo. Foi uma pequena rachadura, então todas as gerações estão avançando com uma forma de agradecimento em seus corações. É assim que eu vejo, porque muitas pessoas morreram porque levantaram um punho no coração ou se ajoelharam na alma para erradicar o joelho no pescoço – afirmou, lembrando da morte de George Floyd, com o joelho de um policial sobre o seu pescoço.

Smith afirma não ter ido aos protestos que tomaram conta das ruas dos Estados Unidos, mas diz ainda estar envolvido na luta contra o racismo.

– Eu já estou envolvido, é só que não vi. Eu tenho uma resposta quando me perguntam por quê não estou nas ruas com todo mundo. Temos pessoas nas ruas, mas elas não têm 76 anos. Os jovens agora podem seguir em frente. Ensinei faculdade por 36 anos, milhares de atletas, milhares de estudantes. Só me aposentei em 2005, ensinava 600 crianças por ano. Então, eu estive envolvido, estou envolvido, apenas não mais como nos anos 60. Eu ainda estou conversando com atletas. Eles têm 50 e 60 anos, meus atletas estão. Eu tenho uma organização chamada Tommie Smith Youth Initiative. Atendemos mais de 3.000 crianças por ano em eventos esportivos ou eventos religiosos.

“Só existe um eu, então não posso fazer muito, mas continuarei a fazê-lo até o dia em que morrer, porque foi para isso que nasci, para ajudar meus irmãos”.

Smith diz ter mantido contato com Kaepernick nos últimos anos. E elogiou a manifestação do comissário Roger Goodell, que admitiu que a NFL errou ao não ter ouvido os protestos dos jogadores contra o racismo.

– Eu conversei com ele (Kaepernick) pessoalmente uma vez e algumas outras vezes por mensagem de texto. Mas não sei onde ele está porque ele está fisicamente se movimentando por aí, tentando explicar a situação e tentando construir programas, que são muito necessários. Eu fiquei muito feliz ao ver o Comissário Goodell se posicionar como deveriam ter feito anos atrás. Isso custou a carreira desse menino como jogador de futebol americano – disse Smith, relembrando o fato de que Kaepernick nunca mais conseguiu jogar após os protestos.

O campeão olímpico afirma esperar que os protestos sigam em frente.

– Em um carro ou qualquer coisa que você tenha que se mexa, o momentum mais necessário é começar, iniciar o movimento. Depois que o momentum começa, espero que continue e que não fique apenas ruas, porque já estabeleceu uma base. Ele deve entrar na jurisdição para chegar à jurisprudência e chegar à Casa Branca. Temos passos a seguir. Nós simplesmente não podemos apenas andar pelas ruas porque elas têm as ruas como limite. Temos que fazer isso através da papelada.


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