Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Política

Ele não enganou ninguém


16/05/2020

Na imagem o presidente Jair Bolsonaro

Ouço muita gente dizer que o brasileiro foi vítima de um estelionato eleitoral ao conduzir Bolsonaro à presidência da república. Não concordo com essa afirmação. Ele nunca enganou ninguém. Como presidente está colocando em prática toda a plataforma ideológica que defendeu na campanha e durante toda a sua vida política. Nos vinte e oito anos em que esteve no parlamento, sempre foi considerado uma figura integrante do “baixo clero” da Câmara Federal. Pertencia, então, ao grupo de deputados inexpressivos no cenário político nacional, que costuma participar de negociatas em benefício próprio, porque não tem compromisso com pautas que interessem à vida nacional. São vendilhões da pátria, condicionam seus votos ao recebimento de cargos ou outras vantagens oferecidas pelo poder executivo.

Até se apresentar como candidato a presidente era um desconhecido, não exercia qualquer papel de liderança no Congresso Nacional. Ganhava destaque na mídia apenas quando protagonizava alguma cena que fugia ao normal como comportamento de um parlamentar. Ou quando se envolvia em alguma questão polêmica. A grosseria, as ofensas verbais e a postura preconceituosa, próprias de quem milita no campo da extrema direita, eram as marcas de sua atuação parlamentar. Ganhou maior notoriedade quando da votação do impeachment de Dilma Houssef, ao homenagear o maior torturador da ditadura militar, Brilhante Ulstra, na ocasião que proclamava o seu voto.

Sempre foi assim. Nunca escondeu sua personalidade machista, homofóbica, racista. Sua incapacidade para exercício do cargo que estava disputando era explícita. Tanto que usou de todos artifícios para não comparecer aos debates, até que se aproveitou do incidente da facada. Lógico, ele sabia que sua presença iria desnudá-lo como alguém que é pobre de inteligência, inculto, e despreparado, Melhor continuar no seu discurso populista, se colocando como um “outsider” da política, apresentando-se como o “diferente”. O que, examinado com cuidado, seria muito fácil perceber a enganação, em razão da sua biografia.

Mentiu apenas quando prometeu que iria acabar com a corrupção no Brasil. De resto manteve-se muito coerente com o perfil que exibe agora como chefe da nação: bronco, mal- educado, autoritário, arrogante e deficiente intelectualmente. Como acreditar que um candidato que torna símbolo de sua campanha o gesto de uma arma com a mão, pudesse ser uma pessoa afável, harmoniosa, conciliadora? Claro que não. Ele, jamais se negou a expressar seu lado violento e virulento. Declarou, de viva voz, que era a favor da tortura. Lamentou que a ditadura militar não tivesse matado, pelo menos uns trinta mil adversários políticos do regime. Nos palanques incitava seus seguidores a atacar “petistas” e “esquerdistas”. Não escondia a sua idolatria por Trump, revelando o seu propósito entreguista. Chegou ao exagero de dar continência e reverenciar a bandeira norte americana.

Não se convenceu de que a campanha acabou e continua no palanque, disseminando ódio, instigando conflitos, produzindo um ambiente de permanente beligerância ideológica. Não se observou em tempo algum, sua disposição para exercitar o diálogo, buscar convergências. Tem verdadeira aversão ao contraditório. A vocação para ditador não permite ouvir críticas ou ser desobedecido nas suas ordens, por mais estapafúrdias que sejam. O desequilíbrio emocional já era evidente mesmo quando postulante ao cargo de presidente. Portanto, nada que possa causar espanto ou provocar desencanto. O óbvio está se confirmando, nenhuma surpresa.

Quem votou nele não pode alegar que cometeu um equívoco na avaliação do seu caráter e da sua competência para presidir a nação. Sua trajetória de homem público não deixava dúvidas quanto ao seu modo de agir na oportunidade em que assumisse os destinos de nosso país. Sua índole antidemocrática era manifestamente demonstrada em todos os seus pronunciamentos. Agora é tarde. Não adianta lamentos. Embora necessárias as manifestações de arrependimento para que se forme um exército capaz de enfrenta-lo em defesa do estado de direito, da soberania nacional e de um governo que atenda as demandas sociais, independente dos conceitos ideológicos. Podemos apontar muitas imperfeições na sua conduta como primeiro mandatário da nação, menos a de que cometeu o crime do estelionato eleitoral.


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