Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

A encíclica da pílula (rememorando 1968)


20/07/2017

Foto: autor desconhecido.

 

A emancipação feminina começou a ser conquistada a partir da década revolucionária dos anos sessenta. Foi exatamente em abril de 1960, quando os Estados Unidos autorizavam a distribuição e venda da pílula como anticoncepcional oral, que as mulheres passaram a se sentir no controle de sua vida sexual, podendo decidir com quem, quando e em que circunstâncias deveriam engravidar. O nascimento de filhos tornava-se, então, resultado do desejo e planejamento dos casais.

No Brasil, seu uso só se tornaria popular a partir de 1970. Entretanto, contrariando o sentimento de mudanças comportamentais e conceituais que caracterizaram o ano de 1968, o Papa Paulo VI, em 25 de julho, lançava a Encíclica “Humanae Vitae” (Da vida humana), que passaria a ser conhecida como a encíclica da pílula, porque tratava justamente da concepção e contracepção da vida humana, posicionando-se contra o que chamava de “irresponsável uso de meios artificiais que tornem infecundo o ato conjugal”. O documento papal provocou várias reações críticas, inclusive dentro da própria igreja católica.

O movimento feminista reivindicava libertar-se da vinculação necessária do exercício da sexualidade com a possibilidade de uma nova gravidez. Havia, ainda, os que defendiam o controle da natalidade por exigências da economia mundial, argumentando que o crescimento demográfico acontecia mais rápido do que a disponibilidade de recursos para a manutenção de sua existência, provocando angústias nas famílias dos povos em desenvolvimento, em razão da pobreza, da falta de condições de trabalho, de alimentação e de educação que garantissem uma vida com dignidade.

A Igreja em contrapartida justificava a proibição da pílula anticoncepcional na preocupação de preservar e proteger a vida em sua sacralidade e beleza, estabelecida nos ensinamentos cristãos, valorizando, sobretudo, a instituição do matrimônio. Entendia, e entende ainda, como uma questão moral. O papa definia que o amor conjugal não terá sentido se não for fecundo e responsável.

A imprensa paraibana trouxe depoimentos de religiosos, políticos e populares sobre a controversa encíclica. O cônego Fernando Abath afirmou que o documento causou surpresa ao mundo, pois esperávamos alguma coisa de nova, além daquilo que já tinha sido dito pelo Papa Pio XII. “Nós todos, filhos amorosos do papa, acatamos a sua decisão e iremos estudar mais profundamente a sua encíclica, que apenas não se preocupa com o problema da natalidade, mas nos mostra o problema da família, o valor do matrimônio, e também aborda o problema dos métodos de limitação de filhos”. O Senhor Euzébio Moura de Vasconcelos, funcionário público estadual, pai de cinco filhos, disse: “Se olharmos a encíclica papal pelo lado religioso, acredito que o Papa Paulo VI está certo, mas pelo lado financeiro, se faz necessária a limitação dos filhos , tanto pelo método de pílulas anticoncepcionais, como pelo controle normal da natalidade. Não vale a pena ter muitos filhos sem poder alimentá-los, nem educá-los. Não pode haver desenvolvimento com a fome e o analfabetismo campeando. Se o governo encarasse, em primeiro lugar, o meio de subsistência do homem, o caminho mais indicado seria o crescimento da população. Enquanto não, sou favorável à limitação dos filhos”.

Na Assembléia Legislativa, foram várias as manifestações dos parlamentares. O deputado Miranda Freire posicionou-se da seguinte forma: “Não entendo desenvolvimento sem o homem. Acho que o problema de alimentação dos filhos é uma questão de consciência, e, portanto, um problema pessoal. Cada um deve saber quando deve ter filhos. Sou totalmente contrário à pressão de terceiros para que não exista a concepção”. O deputado Mário Silveira também emitiu sua opinião a respeito: “O problema no que diz respeito ao Brasil tem que ser encarado, antes de tudo, dentro de um ângulo político-econômico. O Brasil tem como meta prioritária, entre outras, a ocupação do maior espaço vazio geográfico do mundo – a Amazônia. Não vemos porque aceitar uma política de controle da natalidade. Precisamos sim é de uma população capaz de ocupar e desenvolver um grande país que está a exigir mercado interno para poder se transformar numa potência futuramente”. Por fim, importante conhecer o pensamento do arcebispo Dom José Maria Pires emitido na época: “Minha opinião pessoal é a de que nunca, em tempo algum, o controle da natalidade desenvolveu qualquer país, não se encontrando, nenhuma justificativa para a sua aplicação, especialmente num país como o nosso, de grande extensão territorial”.

*Do livro “1968 – O GRITO DE UMA GERAÇÃO”
 


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