Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

A passeata dos cem mil (rememorando 1968)


29/06/2017

Foto: autor desconhecido.

 

A repercussão negativa da “sexta feira sangrenta” fez com que a
população brasileira, por suas lideranças nos mais diversos segmentos, clamasse a uma só voz por diálogo, paz, liberdade de expressão, democracia. Havia um sentimento de indignação e revolta.

Dez governadores decidiram ir ao presidente Costa e Silva, convencê-lo de que as manifestações estudantis não poderiam ser tratadas com repressão policial. Falando em nome dos governantes presentes à reunião, João Agripino, governador da Paraíba, solicitou ao presidente uma reformulação no tratamento que vinha sendo dispensado à juventude. Novamente, a Paraíba marcando presença na história política do Brasil.

Pressionado pela opinião pública, o comando militar decidiu permitir a manifestação estudantil programada para o dia vinte e seis de junho no Rio de Janeiro. Todavia, o general Luis França colocou um contingente de dez mil policiais de prontidão prestes a entrar em ação, se necessário fosse. O governador da Guanabara, Negrão e Lima, decretou ponto facultativo com o objetivo de esvaziar o ato público. Aviões da FAB – Força Aérea Brasileira – afrontosamente davam voos rasantes sobre o centro do Rio de Janeiro.

Nas primeiras horas da manhã, uma multidão já se aglomerava na
Cinelândia. Ao meio dia, já se estimava em cinquenta mil pessoas o
número de manifestantes presentes à concentração. A massa humana alcançava em torno de cem mil participantes
quando teve início a passeata.

Vladimir Palmeira, presidente da UNE – União Nacional dos
Estudantes, no seu discurso inicial, advertiu os participantes de que
não deveriam aceitar possíveis provocações de policiais infiltrados no evento. Na Candelária, num dos seus pronunciamentos, durante a passeata, afirmou:
Pessoal, a gente é a favor da violência quando ela é aplicada para fins maiores. No momento, ninguém deve usar a força contra a polícia, pois a violência é própria das autoridades, que tentam por todos os meios calar a voz do povo. Somos a favor da violência quando, através de um processo longo, chegar a hora de pegar nas armas. Aí, nem a polícia, nem qualquer outra força repressiva da ditadura, poderá deter o avanço do povo.
Este lugar tem um significado muito grande para nós. Foi na
Candelária que foi rezada a missa do estudante morto no Calabouço. Foi aqui que nós fomos massacrados pela cavalaria da polícia militar. Hoje damos uma demonstração de força e de fraqueza ao mesmo tempo. Temos força para retornar à praça, mas ainda não podemos tomar o poder que eles usurparam.
Não quero quebra-quebra, nada de agitação. Eles querem baderna. Nós queremos outra coisa muito diferente.

Nada intimidava os manifestantes, nem diminuía o seu entusiasmo.
A marcha se iniciava com a participação de intelectuais, religiosos, artistas, operários, políticos da oposição e mães de família que, de mãos dadas, caminhavam pela Avenida Rio Branco. O desfile da
massa humana era recebido com aplausos da população ao longo do
seu percurso. Chuva de papel picado caía das janelas dos prédios. Aos gritos de “abaixo a ditadura” seguiram pelas avenidas Buenos Aires, Regente Feijó, Campo de Santana, contornaram a Praça da República e o Hospital Sousa Aguiar, parando em frente ao Superior Tribunal Militar, onde foi encerrada a manifestação, sem nenhum conflito com a polícia.

No encerramento, Vladimir Palmeira voltou a falar:
Paramos aqui para dizer a este Tribunal que deve deixar de ser militar e ser mais a favor do povo, pois é aqui que nossos colegas são julgados. Estamos reunidos para levar um habeas-corpus de todo o povo para libertar nossos presos.

A passeata dos cem mil ficou na história como uma referência do
poder de mobilização dos estudantes e da força que adquire quando
conta com o apoio da opinião pública, numa luta única em defesa dos interesses nacionais.

• Do livro “1968 – O GRITO DE UMA GERAÇÃO”
 


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.