Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

A delação premiada


21/05/2017

Foto: autor desconhecido.

 

Sou de um tempo em que “delatar” era uma atitude reprovável. Aqueles que se dedicavam a esse tipo de comportamento eram chamados de “dedo duro”, alcaguete, traidor. Do ponto de vista moral era uma postura condenável.

Na contemporaneidade passou a ser uma ação que merece ser premiada. Através da delação o criminoso busca amenizar a sua responsabilidade delituosa, sob o pretexto de que está colaborando para o inteiro desvendamento da infração penal da qual participou. Basta que forneça informações que possibilitem conhecer a forma e os demais componentes da ação criminosa de que foi um dos protagonistas.

Não tenho condições de tecnicamente analisar o instituto da “delação premiada”, mas há algo que me incomoda nesse procedimento investigativo tão adotado atualmente. Tenho dificuldade em entender o porque de premiar a traição, oferecendo benefícios extremamente generosos a quem cometeu delitos de grande gravidade. Substituiram a palavra delator pela de colaborador, talvez para melhor dar a impressão de que o criminoso que se dispôs a “entregar o jogo” é menos delinquente do que os seus comparsas. O bandido procura apresentar-se como arrependido, mesmo sendo um corrupto confesso.

Pior ainda quando se percebe que, nem sempre, as delações acontecem por manifestação espontânea do criminoso. Há quem diga que muitas vezes elas são produzidas mediante pressão e orientação que atendam interesses que não são exclusivamente a de elucidar questões ainda não conhecidas na prática do crime.

Temos assistido com certa indignação a soltura de verdadeiros marginais, promotores da corrupção, contemplados com a oportunidade de usufruírem em suas mansões, a vida boa que o produto do crime lhe proporciona. Fica a triste e assombrosa constatação, nesses casos, de que o crime compensa. Péssimo exemplo.

Sinceramente, por mais que renomados criminalistas queriam me convencer de que esse é um método eficaz para combater o crime organizado, desmantelar a existência de quadrilhas, só consigo enxergar que é um estímulo à impunidade. A bandidagem de colarinho branco sabe que tem na “delação premiada” a estratégia para se livrar das penas da lei, o que a torna estimulada ao cometimento de crimes. Desculpem-me os juristas que defendem tal mecanismo legal de avançar nas investigações criminosas, mas me dá um certo inconformismo com a sensação de impunidade que ela oferece.
 


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