Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

Uma estrela que se apagava


13/02/2016

Foto: autor desconhecido.

 

Vez por outra somos impactados por notícias que fazem a gente perder a fome. Foi o que aconteceu comigo no dia 19 de janeiro de 1982. Preparava-me para sentar à mesa na hora do almoço, quando pela televisão tomava conhecimento da morte de Elis Regina. A informação chocou a todos provocando uma comoção nacional.

A maior intérprete da música popular brasileira, em todos os tempos, havia sido encontrada morta em seu apartamento, presumivelmente vitimada por uma parada cardíaca. O relato do acontecimento dá conta de que no momento do seu passamento estava conversando ao telefone com seu namorado e advogado, Samuel Macdowell, o que fez com que corresse ao local onde ela morava e constatasse o óbito.

O país chorou a sua perda. Ainda jovem, aos 35 anos, encerrava uma fulgurante carreira artística, em que encantava a todos com sua forma inigualável de cantar, cheia de vitalidade e dona de um repertório maravilhoso.

Apesar de demonstrar alegria nas suas apresentações, era uma pessoa que, na intimidade, vivia momentos de estresse e de angústias. Basta ver um dos seus depoimentos, num desses instantes de depressão: “Eu não entendo e talvez vá morrer sem entender as pessoas. Todos adoram os artistas. Mas, na verdade, é uma adoração superficial. A gente é olhada e recebida como objeto, um bibelô. O cara te recebe em casa para mostrar aos amigos que te conhece. Mas no momento de participar da vida dele, você verá que começa a ser criada uma barreira de distância. Não sei porque sou diferente: tomo banho como todo mundo, tive filhos como toda mulher. Quer dizer, sou igual a todas as pessoas. Mas sou cantora”. O estrelato lhe incomodava.

Foi sepultada vestindo uma camisa que trazia no peito a bandeira brasileira, com seu nome substituindo o “ordem e progresso”, feita para usar no show “Saudades do Brasil”, mas proibido pela censura no período da ditadura militar. Foi seu último protesto como ativista política. Ao seu sepultamento, além da multidão de amigos e admiradores, se faziam presentes personalidades do mundo artístico, intelectual e político, dentre eles destacava-se Luis Inácio Lula da Silva, então presidente do partido a que era filiada e uma dos seus fundadores.

Carinhosamente chamada “a pimentinha”, a súbita morte de Elis Regina deixou uma lacuna jamais preenchida na música nacional. Ela era singular, voz e performance no palco que a fazia ídolo de todos daquela geração, na mais fértil época de nossa história musical. Para matar a saudade, não me canso em, de vez em quando, colocar um vídeo em que ela, numa interpretação monumental, defendeu a música “Arrastão”, de Edu Lobo, conquistando o primeiro lugar no I Festival da Música Popular Brasileira, da Tv Excelsior.

Concluo corrigindo o título do texto. Afinal de contas as estrelas nunca se apagam. Elas podem ficar com sua luz brilhando à distância, mas jamais perdem sua luminosidade. A estrela Elis Regina, continua brilhando, porque ela se tornou imortal.

• Integra a série de textos “INVENTÁRIO DO TEMPO II”.


 


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