Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

A Cantata de Alagamar


22/10/2015

Foto: autor desconhecido.

 

A luta em defesa dos agricultores de Alagamar uniu um líder religioso, arcebispo Dom José Maria Pires, um argentino/judeu circuncidado, maestro Kaplan, e um ateu assumido, escritor W.J.Solha, na produção de um espetáculo musical intitulado “Cantata de Alagamar”. Baseado num texto do camponês Severino Izidro, conhecido como “Hino de Alagamar”, a peça artística pretendia dar maior projeção ao movimento dos trabalhadores rurais envolvidos na disputa com os proprietários das terras daquele latifúndio.

O teatrólogo Fernando Teixeira ficou responsável pela direção do jogral, que contava com os atores Buda Lira, Ubiratan de Assis e João Costa. A obra baseada em ritmos e poesia vinculados à nossa cultura, harmonizando-os com a modernidade, teve a participação de artistas da chamada música erudita, tais como solistas, tenores, coro misto e orquestra de câmara, integrantes da Universidade Federal da Paraíba.

A ópera camponesa não podia ser apresentada nos teatros, porquanto proibida pela censura em razão do seu conteúdo político de denúncia da perseguição a que estavam sendo submetidos os agricultores pela ditadura militar. Por isso, sua estréia aconteceu no dia dezessete de junho de 1979 na Capela da Igreja de São Francisco, com um público de aproximadamente quatrocentas pessoas, que aplaudiu de pé o espetáculo. Na oportunidade também se faziam presentes como expectadores o arcebispo Dom Hélder Câmara, de Olinda e Recife e Dom Fragoso, bispo de Crateus, ambos , ao lado de Dom José Maria Pires, apontados pela imprensa aliada ao governo como os “bispos vermelhos”, pela pregação que faziam em favor dos pobres e dos oprimidos.

Gravado em disco vinil pouco depois, recebeu a apresentação de Dom Hélder, onde, entre outras colocações, afirmou: “A Cantata nos traz a boa nova de que nossa gente sofrida sabe muito bem que seria loucura pegar em armas, cujos fabricantes são seus opressores, mas não está, de modo alguma acovardada e sem ação. Aprende sempre mais que a força do povo é a união, não para pisar direitos dos outros, mas para não deixar que ninguem pise direitos seus. Para quem tem ouvidos de ouvir, é cantata de esperança e de amor”.

• Integra a série de textos “INVENTÁRIO DO TEMPO II”.


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